terça-feira, 31 de março de 2015

Steve Redgrave - sobre outros atletas

O fenômeno Mark Spitz

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"O que eu mais gosto nessa foto é que podemos ver como dói." - diz Redgrave

A natação aparenta ser um desporto suave e sem esforço. 

O que vemos são corpos leves subindo e descendo na água. 

Porém, mesmo que ele esteja apenas tentando tirar o cloro dos olhos, eu acho que os demônios da competição que levaram o nadador norte-americano Mark Spitz a conquistar sete medalhas de ouro nos jogos de Munique em 1972 traem a si mesmos nesta imagem.

"Spitz impressionou-me muito naquele jogos. Eu tinha dez anos de idade e não desligava a televisao. Eu lembro-me quando numa manhã fui buscar o leite e o jornal e vi a enorme noticia no Daily MIrror “SPITZ FOR SIX” (SPITZ LEVA SEIS)."

Ele queria ser o primeiro atleta olímpico a conquistar seis medalhas de ouro em uma única edição dos jogos e eu viajei nessa idéia, “esse individuo, dia após dia, acumulando medalhas. Eu fiquei inspirado com a  idéia: Será que uma medalha já não seria algo grandioso"?

No final ele ganhou mais uma. Foram sete no total e ele quebrou o recorde mundial em cada uma delas.

Eu encontrei Mark anos depois. Nós estávamos em  numa palestra em Atenas com Carl Lewis sendo entrevistados pela BBC sobre o andamento dos jogos. 

Aquela era a oportunidade de ouro para agradecer ao homem que plantou a idéia na minha cabeça de um dia me tornar um campeão olímpico. 

Eles eram gentis, mas eu fiquei com a impressão de que eles se sentiam mais estrelas do que eu. 

E de uma certa forma eles estavam certos. A natação e o atletismo são desportos olímpicos mais populares do que o remo. Eu não me importei com isso.

Nadadores e corredores tem tantas medalhas de ouro disponíveis para conquistar que eu acho que isso desvaloriza  um pouco as suas vitórias.

A imprensa veio atrás de mim quando Michael Phelps  quebrou o recorde de Spitz conquistando oito ouros nos jogos de Pequim. Eu evitei. Eu não queria dizer o que eu pensava. 

Felizmente Michael Johnson falou por mim. Ele disse que no atletismo era possível conquistar mais de uma medalha , mas elas não são dadas a torto e a direito.

Phelps é  o maior atleta olímpico de todos os tempos? 

As  14 medalhas conquistadas em dois jogos olímpicos confirmam que sim. 

Se Phelps fosse um país ele seria o 15º. colocado na tabela de medalhas de todos os jogos olímpicos disputados até hoje.  
Porém, na minha visão ele não é o melhor. É possível ganhar várias medalhas na natação e é isso justamente que desvaloriza as conquistas no meu ponto de vista.

Eu não fiquei surpreso pelo fato de Spitz não ter assistido às conquistas de Michael Phelps em Pequim. Ele alegou, na época, que não havia sido convidado. “Eu vou-me sentar anonimamente e ver Phelps quebrar os meus recordes?  Certamente não...”

Depois de ter jogado golfe com Spitz em uma versão para celebridades da Ryder Cup (Europa vs. EUA) em 2005, me dei conta que ele realmente não teria condições de estar em Pequim.

Todos os atletas são competitivos, mas alguns são mais do que outros. 

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O preço que Nadia Comaneci pagou pela perfeição


"A única coisa que eu e Nadia Comaneci temos em comum é o fato de que tínhamos 14 anos de idade em 1976.

Naquele ano ela estava participando dos Jogos de Montreal conseguindo o seu primeiro 10 na ginástica. Eu estava em casa, subindo pela primeira vez em um barco a remo junto com alguns colegas da escola.

Quando eu estreei numa Olimpíada, oito anos depois, a carreira de Nadia Comaneci  já estava encerrada, após um fugaz e fotogênico reino de rainha adolescente da ginástica.

A lendária foto dela é incrível. A prova viva de como o corpo humano pode ser controlado e flexível até limites impensáveis através de um rigoroso treinamento.

A flexibilidade nunca foi o meu forte. Eu não consigo alcançar os dedões do meu pé. Eu chego somente até um pouco abaixo dos joelhos e isso porque os meus braços são longos. 

Eu sempre agüentei os duros treinos. Eu sofri como a maioria dos remadores. 

O frio intenso congelando até os pelos do nariz e o gelo escorrendo pelas costas. Pelo menos eu participava dos treinos porque eu queria estar lá. 

No caso de Nadia, sendo uma jovem garota de um país que não admitia nenhuma oposição, o preço a pagar era bem maior. 

Ela raramente sorria, dizem que ela nunca chorava, e aos 15 anos ela admitiu ter tentado o suicídio bebendo água sanitária. Ela admitiu depois ter tomado shampoo para chamar a atenção. Nenhuma das duas opções podem ser consideradas saudáveis.

Ela foi a romena mais jovem a receber a “Medalha de Ouro do Herói Trabalhador Socialista” pelo então presidente  e ditador comunista Nicolae Ceausescu, e em toda a sua carreira ela sofreu uma forte repressão no direito de ir e vir.

Ela esteve nos Jogos de 1984 em Los Angeles como espectadora e sob a forte vigilância de alguns agentes do governo romeno. Certamente eu não cruzei com ela na minha estréia em Jogos Olímpicos. Na realidade, eu nem teria notado.

Na minha opinião, a ginástica é um desporto “diferente”. Não possui as características de “Citius, Altius, Fortius (Mais Rápido, Mais Alto , Mais Forte).

Eu questiono qualquer desporto que seja julgado. Eu não vejo como o julgamento humano, com toda a política e preconceito envolvidos, pode produzir campeões universalmente reconhecidos. Eu aceito que Comaneci  conseguiu performances excepcionais. 

Qualquer um pode ver isso. Porém existem muitas nuances e casos suspeitos de parcialidade para se ter certeza dos resultados em geral. 
Eu reconheço que esse tipo de discussão é polêmica. 

Eu também não entendo os desportos que possuem categorias por peso. 
- Remo Peso-Ligeiro?

O meu argumento contra isso é que, por exemplo, você não tem uma categoria para  jogadores de basquete com 1,20 m de altura. 

O desporto olímpico deve focar sempre nos melhores. Assim, num desporto como o boxe, deveria existir apenas uma categoria de  peso.

A meu ver, o vencedor deveria ser o último homem ou mulher a ficar em pé no ringue.

No caso da Nadia Comaneci houve um final feliz. O nome dela permanece como sinônimo de perfeição na história olímpica.

Pouquíssimos  atletas podem evocar a perfeição nas suas modalidades e eu certamente me incluo nesse grupo.
Eu poderia mencionar alguns poucos momentos onde estive próximo disso.
Na verdade, foram cinco momentos numa carreira de 20 anos. Quatro deles aconteceram durante provas olímpicas.

Isso significa algo. Para mim, quanto mais importante é o evento, melhor é a minha performance. A quase perfeição aconteceu três vezes em Barcelona em 1992.
Nas provas classificatórias, na semi-final e na final. 

Foi muito estranho, pois na escalada para os jogos eu tive uma forte colite que provavelmente iria voltar a incomodar durante os jogos. 

Felizmente, uma janela de saúde se abriu e eu e meu parceiro Matthew Pinsent tivemos a melhor performance das nossas carreiras. Eu me senti leve, como “poesia em movimento” ou um sonho. 

Seria interessante saber se Nadia Comaneci sentiu a mesma coisa quando ela conquistou a nota 10 nos jogos de Montreal em 1976. 

O que aconteceu depois sugere que, se ela sentiu alguma alegria, a mesma não foi suficiente. No inverno de 1989 ela fugiu da Romênia pela fronteira com a Hungria enfrentando a lama e o gelo para começar uma nova vida nos EUA."

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