Sabem nadar? Não! Praticam triatlo? Não! Então façam um Ironman!
"E agora algo um pouco diferente. Como sabem, eu gosto de corrida, de trail running e agora recentemente de triatlo. E no triatlo, talvez sejam raros os atletas que não ambicionam chegar à prova rainha: o Ironman! O Hélder Oliveira queria muito e conseguiu!
O Hélder é praticante de corrida e amigo dos trilhos e um dia meteu
na cabeça que queria fazer um Ironman… e está feito! Tarefa de
super-homens? Talvez não seja tanto assim. Leiam e fiquem a saber como
foi e… quem sabe um dia não são vocês?
“Por ser o meu primeiro Ironman senti a obrigação de relatar os
contornos desta aventura. Porque é um evento mítico associado a um certo
elitismo físico e – dizem – ao alcance apenas de seres sobredotados,
quero sobretudo demonstrar através da minha descrição não ser exatamente
assim. Desde o “dia zero” da minha preparação, até ao dia da prova,
tentarei ser o mais rigoroso possível, para que possam retirar algumas
ilações e até tomar decisões quanto à vossa participação num Ironman.
O meu passado desportivo é mediano, nunca fiz nada mais do que
terminar provas e, embora sempre ativo desportivamente, nunca tive um
desempenho especial.
Após uma paragem de aproximadamente 3 anos para alinhar o “chassis”
(operação a uma hérnia discal), retomei a prática desportiva (treino
regulamente há cerca de 2 anos, pós-paragem). Todo o meu treino foi
orientado para o trail running e o ano de 2012 foi totalmente preenchido com Ultra Maratonas.
Em Novembro passado (2012), tocou o sino do Ironman, pois precisava
de um desafio diferente, após alguns quilómetros de Ultra Maratonas.
Ao tomar a decisão de participar deparei-me com o primeiro problema: 450 euros de inscrição?! Com o apoio do Ginásio Rainha e da Clínica Soleil, o sonho manteve-se de pé e a inscrição foi realizada. Sem o apoio de ambos teria sido economicamente inviável.
Surge o segundo problema: tinha de nadar 3.800 metros em águas
abertas e não sabia nadar crawl (a técnica mais adequada à distância em
causa). Nadava apenas bruços, como a generalidade dos portugueses não
praticantes de natação. Bem, façamos a inscrição e depois pensemos
nisso.
Algumas consultas ao Youtube para visualização das técnicas de crawl e
de respiração e umas quantas conversas com o pessoal do triatlo, um mês
depois, com 5 treinos semanais de natação, eis que o “cromo” fazia já
30m nessa técnica… “é possível!!!”, pensei! Com a necessidade de
acelerar a evolução na natação, pois a prova estava a 8 meses de
distância e eu não sabia nadar, mantive os 5 treinos semanais
sacrificando a corrida e bicicleta.
A meio da preparação, em meados de Fevereiro ou Março de 2013, fiz o
primeiro teste aos 3.800m em piscina, usando o fato de neoprene. Este
teste permitiu-me obter informações importantes do ponto de vista de um
atleta completamente inexperiente na água. Concluí que estaria a fazer a
distância em cerca de 1h30 e que fisicamente não tinha problemas com
esse esforço. A questão agora era a fraca técnica e consequentemente,
uma óbvia lentidão. Tomei a decisão de equilibrar a carga horária ao
nível de treino e passei a distribuir de forma mais nivelada o treino
semanal de corrida, natação e bicicleta.
Diariamente o treino era constituído por duas sessões de: corrida +
bicicleta, corrida + natação ou bicicleta + natação, com alternâncias
diárias.
A fase seguinte era fazer um triatlo,
pois não seria inteligente arriscar-me num Ironman sem qualquer prova
de triatlo realizada. Com certeza haveria equívocos e erros a serem
corrigidos e só uma prova para os pôr a descoberto. Para o efeito
inscrevi-me no Half-IronMan de São Jacinto, Aveiro, no mês de Maio.
Teria metade da distância de um Ironman para percorrer no caso do half
(1.900m de natação, 90km de bicicleta e 21km de corrida). A prova de
Aveiro era aproximadamente a 30 dias do Ironman de Nice. Seria o
derradeiro teste e uma importante fonte de informações.
Cometi vários erros! Desde logo, o mais grave, no sector da natação,
naquela que era a minha primeira experiência em águas abertas, quer em
treino, quer em prova. Perdi o sentido de orientação e acabei por sair
várias vezes do percurso. Depois desta secção e já no final da prova era
evidente que o meu sector mais forte era a bicicleta, informação útil
para um Ironman marcado essencialmente por montanha e… 180km de
distância. O meu primeiro triatlo estava concluído e com a normalidade
expectável, tendo em conta a minha condição física e experiência na
modalidade.
Aproximava-se a data do grande e mítico evento, o IRONMAN!!!
Admito que sempre alimentei um certo mito do atleta sobredotado para
realizar com sucesso uma prova deste tipo, não apenas pelo esforço
físico imposto pela prova mas, especialmente por implicar três
modalidades distintas e em distâncias muito exigentes. E chegava a hora
de eu provar que seria capaz. Apesar de atleta mediano e sem quaisquer
vantagens genéticas ou especiais aptidões, talvez (e friso, talvez)
possa dizer que em algumas situações me destaque pela teimosia. E talvez
isso pudesse revelar-se uma vantagem.
Dia 22 de Junho, sábado: véspera da prova
O dia de sábado levou-me à zona da prova, onde realizei o registo durante a manhã e o check up
à bicicleta durante a tarde. O rigor, o método e os meios utilizados
impressionavam! Tudo o que rodeava o IRONMAN era absolutamente
arrebatador! “Farei eu parte disto?”, cheguei a questionar, tal a
dimensão daquela realidade. Era um sonho ali à porta, o sonho de um
atleta vulgar que durante anos olhou à distância de anos-luz para um
evento impensável de algum dia concretizar.
Dia 23: o IRONMAN de Nice
Dia 23 chegou, acordei às 03h15 (4h15 em Portugal) e tomei o
pequeno-almoço de sempre. Em nada alterei nos meus hábitos alimentares, e
nisto a experiência das ultra maratonas já me tinha ensinado que não
seria boa ideia.
Às 05h00 estava no parque das bicicletas, ultimei a Valdemiro
(a bicicleta), especialmente montada pelo Sr.Valdemiro para este
Ironman. Verifiquei a pressão dos pneus, apliquei a vaselina no corpo e
estava pronto para a natação. A prova teria início às 06h30… 5 minutos
antes o ambiente era único, centenas, milhares de atletas estavam na
água, prontos para iniciar os 3.800m do sector de natação. E começava
ali o sonho!
O público alimentava um ambiente arrepiante!
A natação
Dada a partida veio a confusão natural provocada por 2.800 nadadores,
o que dificultava as braçadas iniciais. Manter a concentração na
braçada, controlo respiratório e orientação apresentava-se como uma
tarefa difícil de levar a cabo. Mas uns minutos depois o pelotão
estendia-se no mar e facilitava a tarefa aos nadadores.
Com uma entrada significativa no mar para realizar a primeira volta
de 2.400m, senti alguma dificuldade em visualizar as bóias, já que a
ondulação retirava-me na maioria das vezes a linha do horizonte. Optei
por em grande parte da prova seguir o pelotão, esperando não errar na
escolha do grupo adequado.
Percorridos os 3.800m de natação, saí da água com 1h37 e estava em
boas condições físicas, pronto para iniciar o sector do ciclismo. Tinha
pela frente 180km de estrada e montanha para dificultar a tarefa.
O ciclismo
Marquei os 32km/h numa fase inicial como limite ao meu ritmo. Mantive
o andamento nos primeiros 20km, a pedalada era confortável e
protegia-me de esforços excessivos que pudessem dificultar a tarefa ao
subir a montanha que estava pela frente. Com aproximadamente 20km de
distância percorridos, o percurso começou gradualmente a subir e até aos
70km a história foi essa: montanha, mais montanha, mais desnível
positivo. Atingi a marca dos 70km bastante cansado, o esforço havia sido
significativo, foram necessárias 3h30 aproximadamente para concluir
estes primeiros 70km.
Durante esta fase da prova observei um atleta ser transportado para
um helicóptero de assistência médica. Percebi que teria de ser algo
muito grave. No final da prova havia a notícia da morte deste participante da prova, com apenas 30 anos de idade. A velocidade e uma queda terminaram com o sonho da pior maneira.
Atingido o topo da montanha, o resto do percurso era essencialmente
marcado por desnível negativo, muitas descidas rápidas em estradas
sinuosas. Era relativamente fácil ultrapassar os 50km/h ou até 60km/h
sem necessidade de pedalar. Mas o acidente anterior lançava-me sinais de
alerta constantes e, embora por vezes o esquecesse, acabaria por ser
relembrado por dois novos acidentes com quedas de atletas nas zonas mais
rápidas. Havia que definir um ponto de razoabilidade entre o benefício
da velocidade e o risco de não terminar a prova, ou pior.
Percorri os restantes 110km com relativa rapidez e apesar do tempo
perdido nos primeiros 70km com a subida, a recuperação permitiu-me
chegar a Nice com menos de 7h no sector de ciclismo: 6h51 definia o meu
desempenho.
A corrida
Chegava o sector final, a chave para a meta: a maratona! 42km de
corrida sob condições meteorológicas dificilíssimas, já que o calor se
fazia sentir e as pernas já acusavam níveis de cansaço elevados. O
momento era sobretudo psicológico e de luta.
Nos primeiros 21km a dificuldade em manter um ritmo razoável foi
enorme! Só encontrei um andamento confortável e possível na marca de
7’/km. Gradualmente fui recuperando alguma frescura física e, realizada a
primeira meia-maratona, pude acelerei um pouco o ritmo, baixando para
os 6’/km. Não tinha sinais de cãibras nesta altura e o aspecto mais
importante acabava por ser o desgaste psicológico.
A meio da maratona a ideia típica de que “está quase” e que
regularmente nos assalta em maratonas, estava a pressionar-me para
facilitar no consumo do gel, pois o estômago já não aceitava com a mesma
disponibilidade e afinal de contas estava mesmo “quase”. Controlei esse
desejo e mentalizei-me que o “quase” eram mais de 2h de prova e
continuar dependeria do consumo de energia e líquidos. O desgaste e o
calor estavam à espreita para interromper o caminho para o sucesso, se
assim fosse ditado.
Se até aos 21km consumi uma embalagem de gel a cada 5km, a
incapacidade de manter esse tipo de ingestão por indisposição fez-me
alterar a estratégia e passei a consumir o gel em distâncias mais curtas
mas agora pequenas e suportáveis quantidades. O objectivo era manter o
corpo alimentado sem provocar uma indisposição impeditiva de prosseguir
com a alimentação.
Todo o percurso tinha disponíveis chuveiros e usei-os para baixar a
temperatura corporal, sem nunca abdicar de usar todos aqueles que ia
encontrando. Era menos uma preocupação para o meu já esforçado coração, a
bater ainda mais forte para baixar a temperatura corporal. Todas as
poupanças de energia eram nesta altura relevantes.
O público tornava a avenida Promenade Des Anglais,
destinada à maratona, com 5km para cada um dos sentidos, num local
entusiasmante e vibrante. Não se cansavam de motivar os mais desgastados
com palavras de incentivo, como: “You are an IRONMAN!”, “courage!”,
“Bravo!” e de quando em vez lá vinha um “Força Portugal” saído do
público com sotaque 100% “tuga” e de alguém que identificava no meu fato
a bandeira nacional. Reconfortante!
A última volta! Faltavam 10km para atingir o objectivo, o público que
entretanto tinha “aprendido” a identificar os atletas em última volta
para a conclusão da prova, não deixavam de gritar incentivos e estender
as suas mãos para uma arrepiante interação entre público e atletas.
O meu desgaste nos quilómetros finais era absolutamente acentuado,
todo o sistema cardio-respiratório acusava cansaço, o que me obrigou a
baixar o ritmo. A tentação de caminhar era fortíssima, a maioria dos
atletas já o fazia, facto que contribuía para alimentar o desejo de lhes
seguir o exemplo. Mas com a meta a pouco mais de 30m de distância,
caminhar não era opção. A opção era só uma: terminar o mais rápido
possível!
A quilómetros da meta comecei a erguer os braços, o ambiente era
único! Os espectadores festejavam o meu sucesso como sendo deles. Eram
também parte deste espetáculo, estavam a engrandecer o meu feito, o
feito de todos quantos alcançaram aquela dolorosa meta.
Verbalizei várias vezes a alguns metros da meta: “I´m an IronMan!”,
não por vaidade mas por direito, tinha-me doído! Tinha conseguido!
A meta! Estava na meta!!! O somatório de 13h36m de emoções
transpirava pela minha pele. Ao subir à meta esqueci a medalha por
momentos… era a meta! Baixei-me, toquei a palavra Ironman gravada no
tapete da meta, repousei finalmente por momentos. Tinha acabado.
Desliguei do mundo naqueles segundos, abstraí-me de tudo quanto me
rodeava e, em retrospectiva, agarrado ao tapete Ironman falei em
silêncio: “Sou um IronMan, sofri imenso para aqui chegar, sou um
Ironman. Este é o teu momento, vive-o!”. E assim permaneci largos
segundos, completamente anestesiado pelo tributo que o evento me
prestou, em troca do meu esforço.
Eu, um atleta vulgar, sem absolutamente qualquer característica física especial, relevante ou rara. Eu sou um Ironman!”
Um belo relato de objetivos a atingir a nivel fisico. Quando tens uma atividade e um desporto que praticas, por vezes saturas-te.... e podes buscar outros desafios. Falando por mim, nao tenho este objetivo pela evidente dedicaçao e tipo de treino, mas efetivamente admiro todos que o conseguem !!!
Retirado de : http://www.desedentarioamaratonista.com/2013/06/26/sabem-nadar-praticam-triatlo-nao-entao-facam-um-ironman/
Um belo relato de objetivos a atingir a nivel fisico. Quando tens uma atividade e um desporto que praticas, por vezes saturas-te.... e podes buscar outros desafios. Falando por mim, nao tenho este objetivo pela evidente dedicaçao e tipo de treino, mas efetivamente admiro todos que o conseguem !!!
Retirado de : http://www.desedentarioamaratonista.com/2013/06/26/sabem-nadar-praticam-triatlo-nao-entao-facam-um-ironman/
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