quinta-feira, 23 de abril de 2015

Karl Adam - história de um dos mais marcantes treinadores de remo conhecido

25 ANOS SEM KARL ADAM


Texto e história escrita por  : Wilson Reeberg


Este pequeno trabalho é a uma contribuição para que as novas gerações de remadores e de técnicos saibam quem foi Karl Adam. É, também, um tributo que prestamos à memória de quem, por muitos anos, nos inspirou a treinar e a vencer.

Quando o soldado Karl Adam voltou do front da Segunda Guerra Mundial, em 1944, com um ferimento sério no braço esquerdo, os médicos não lhe deram muita esperança de recuperar os movimentos do membro atingido. Para um ex-atleta lançador de martelo e ex-campeão mundial universitário de boxe da categoria peso-pesado (1937), essa não era uma boa notícia.

Para curar o braço paralisado, Adam escolheu uma forma peculiar de fisioterapia: foi para o interior, trabalhar em serviços pesados, até seu braço voltar ao normal.

Em 1948, foi para Ratzeburg, onde começou a lecionar suas especialidades (Matemática, Física, Filosofia e Educação Física) na Lauenburgischen Gelehrtenschule (Escola de Eruditos Lauenburg), da qual, dois anos depois, passou a diretor. Nesta instituição, fundada em 1.160 como escola para religiosos e atualmente funcionando como colégio de nível médio, Karl Adam foi designado responsável pela turma de remo, que viria a ser o embrião do futuro Ratzeburger Ruderclub. Embora nada entendesse de remo, Adam aceitou o desafio, porque sentia atração pelos problemas físico-matemáticos deste esporte e já tinha, nessa época, idéias próprias e originais sobre treinamento.
Com o único barco que havia (um gig a quatro, com timoneiro) formou sua primeira guarnição. Dela faziam parte Klaus von Fersen, que viria a ser vice-campeão europeu, e Walter Schröder, futuro campeão europeu e olímpico. Esse modesto gig, remado por adolescentes, foi o primeiro barco vitorioso no currículo de Adam como treinador, conseguindo vitórias tão marcantes em provas destinadas a escolares que chegaram a acusar seus remadores de pertencerem a categorias superiores.

O RATZEBURGER RUDERCLUB 

Com o passar do tempo, ficou claro que o remo escolar não oferecia condições para desenvolver todo o potencial dos jovens treinados por Adam. Assim, em 20 de março de 1953, um grupo de dezoito pessoas, reunidas no modesto Hotel Stadt Hamburg, dentre eles Karl Adam, von Fersen e Walter Schröder, fundaram o Ratzeburger Ruderclub. Sua primeira garagem foi um pequeno e tosco barracão, sem chuveiro nem instalações sanitárias.
No seu primeiro ano, o clube obteve 8 vitórias. Sua maior estrela, von Fersen, “arrebentou” no skiff. Venceu regatas de sua categoria – júniores – com até 12 barcos de diferença. Sobre as vitórias do Ratzeburger, um jornalista escreveu certo dia: “Quanto esses jovens poderiam melhorar nas mãos do treinador certo, no clube certo”. Ao que os remadores reagiram com uma frase lapidar: “A inteligência da m... deu sinais de vida!”. E para provar que estavam com o treinador certo, no clube certo, venceram 18 vezes, no ano seguinte.

Em 1955, foram 32 vitórias, dentre elas o Campeonato Alemão no skiff e no double-skiff (von Fersen dobrou no double com Manfred Rullfs, futuro campeão europeu e olímpico).

Naquele ano, o clube iniciou a construção de uma nova garagem. Foi a primeira obra do arquiteto Hein, um recém-formado que tinha aplicado seus últimos recursos na instalação de um pequeno escritório em Ratzeburg. Curiosamente, Hein, que nada sabia de remo, teve como primeiro cliente o Ratzeburger Ruderclub. A garagem que ele inicialmente projetou tinha apenas 12 m de comprimento, que mal daria para abrigar o quatro- com, maior barco existente no clube. Foi Adam quem evitou o desastre ao esclarecer que precisava pelos menos de 18 m para acomodar um oito.

Em 1956, ano de inauguração da nova garagem, o número de vitórias aumentou para 39, com von Fersen repetindo o título alemão e conseguindo a medalha de prata no Campeonato Europeu. Com isso, ganhou o direito de representar a Alemanha nos Jogos Olímpicos de Melbourne. Von Fersen não chegou à final, pois, sendo praticamente um peso-leve, não conseguiu lutar contra o forte vento de proa que dominava a raia.

O fato é que, com apenas três anos de existência, Adam já tinha dado ao seu clube três títulos nacionais e um vice-campeão europeu e remador olímpico.
No ano seguinte, foram mais 32 vitórias e mais dois títulos alemães, no quatro sem e num oito misto que tinha quatro remadores de outro clube. Von Fersen conseguiu mais uma medalha de prata no Campeonato Europeu, mas tinha então trocado o Ratzeburger Ruderclub pelo Germania Dusseldorf.
Agora, o Ratzeburger havia sentido o “gostinho do oito”, barco que a Alemanha nunca tinha vencido numa Olimpíada. Assim, em 1958, o clube fixou como objetivo vencer o Campeonato Alemão num oito todo seu, o que Adam acabou conseguindo com uma guarnição formada por 3 remadores sêniores, 5 júniores pesando em média 73 kg e um barco emprestado (porque nem oito o clube tinha).
Começava ali a lenda do oito de Ratzeburg!

O OITO DE RATZEBURG

No Campeonato Europeu de 1958, o oito do Ratzeburger Ruderclub venceu sua eliminatória, mas na final classificou-se em 5º lugar. Comparando seus remadores com os adversários, Adam concluiu que precisava de homens mais fortes que seus júniores. Trouxe então para o oito a guarnição do quatro-sem vencedor daquele campeonato, formada por Manfred Rullfs e Hans Lenk, do Ratzeburger, e dois outros remadores da cidade de Kiel. Nasceu daí o conceito de “treinamento à distância” no remo. Durante a semana, todos treinavam em barcos pequenos, em suas cidades, seguindo um plano de treinamento feito por Adam. Na sexta-feira à tarde, reuniam-se em Ratzeburg para o primeiro treino em conjunto da semana. Com mais dois treinos no sábado (de manhã e à tarde) e outros dois no domingo, o oito realizava cinco treinos semanais em conjunto.

O resultado foi uma vitória arrasadora no Campeonato Europeu de 1959, com uma diferença de 9,33 s sobre a Tchecoslováquia, segunda colocada. Essa foi a maior diferença já registrada numa prova de oito em competições desse porte, até aquela data.

O sucesso do “treinamento à distância” permitiu a Adam formar guarnições mais fortes nos anos seguintes, sem depender apenas dos remadores do Ratzeburger.

A Olimpíada de Roma, em 1960, foi um marco na história do esporte alemão e mundial. Adam concretizou o maior sonho do remo daquele país, que era ter um oito campeão olímpico. Seu barco – um combinado Ratzeburger / Kiel - liderou a prova de ponta a ponta, pondo fim a um reinado de 36 anos dos norte-americanos, que não perdiam o oito em Jogos Olímpicos desde 1920. Para o remo dos Estados Unidos, este foi o seu Waterloo.

Em 1961, uma desagradável surpresa: depois de passar os 1.500 m com 2 s de vantagem sobre a Itália, o oito de Adam não resistiu à arrancada final do adversário e perdeu por míseros 0,17 s.

Mas em Lucerna, em 1962, Adam lavou a alma. Durante o 1º Campeonato Mundial, seus remadores venceram não apenas o oito, mas todas as 5 provas de palamenta simples e ainda conseguiram um bronze no double-skiff. “Este foi um dos dias mais marcantes da carreira de Karl Adam”, registrou a FISA. Oito de Ratzeburg: guarnição campeã mundial em 1962 
Em 1963 – 64 – 65 e 67, o oito de Ratzeburg venceu todos os Campeonatos Europeus e foi medalha de prata na Olimpíada de Tóquio.. Em 1966, venceu o 2º Campeonato Mundial. Neste ano, o conceito de “treinamento a distância” já tinha evoluído a ponto do oito – apesar de treinar nos fins de semana em Ratzeburg - ser formado por remadores de Berlim, Karlsruher, Frankfurt, Hannover e Hamburgo.

Os Jogos Olímpicos do México presenciaram mais uma vitória do oito treinado por Karl Adam. A medalha de ouro foi conquistada mesmo com um remador reserva (Nicolaus Ott) entrando no barco somente no dia da final, no lugar do proa Roland Boose, impedido de correr na última hora, devido a uma infecção dentária.

A esta guarnição coube a honra, quatro anos mais tarde, de carregar a bandeira olímpica, na abertura dos Jogos de Munique.

1964
Este ano tem uma história particular.

Em 1964, o Vesper Boat Club, de Philadelphia, estava de técnico novo. Seu nome: Dietrich Rose. Procedência: Ratzeburg, Alemanha. Profissão: auxiliar técnico de Karl Adam.

Inconformado com a derrota sofrida pelos Estados Unidos em 1960, que abalara a reputação e a auto-confiança do remo norte-americano, o Vesper queria formar um oito para ganhar os Jogos Olímpicos de Tóquio. E resolveu que o melhor meio para derrotar os alemães seria usando suas próprias armas. Para formar uma guarnição poderosa, o Vesper resolveu partir para uma verdadeira seleção nacional. Remadores de universidades e de clubes de vários Estados norte-americanos deixaram seus empregos, casas, famílias, tudo que tinham, para tentar uma vaga no oito de Philadelphia.

Dietrich Rose tratou de aplicar nesse oito tudo que havia aprendido com Karl Adam – treinamento com pesos, intervall-training, etc. – e o fez muito bem. O resultado foi uma guarnição fortíssima, da qual diziam que, se em vez do oito corresse quatro-com, quatro-sem, dois-com e dois-sem, mesmo dobrando, traria quatro medalhas de ouro, em vez de uma.

Em Tóquio, quis o destino que as duas guarnições se enfrentassem já nas eliminatórias, numa verdadeira final antecipada. Nesse dia, o barco norte-americano, apesar de todo seu poderio, perdeu por ínfimos 0,28 s. Mas depois classificou-se na repescagem.

Dias depois, a grande final. Toda a nação alemã estava ligada nas notícias que vinham de Tóquio. E apreensiva, também, porque desde que o oito de Ratzeburg começara a ganhar, em 1959, os adversários estavam chegando cada vez mais perto. Naquele ano, a diferença para o segundo colocado tinha sido de 9,33s; em 1960, 4,36s; em 1962, 2,73s; em 1963, 3,08s; e em 1964, 0,32s. Agora, na eliminatória olímpica, a diferença tinha caído ainda mais: 0,28 s e eles sabiam que os norte-americanos estavam “mordidos”. Queriam muito reconquistar a hegemonia nesta prova.

As notícias que chegavam da raia de Toda, em Tóquio, deixava os alemães ainda mais apreensivos. O início da regata vinha sendo postergado, hora após hora, porque soprava um fortíssimo vento de proa, em diagonal, com rajadas de 9 m/s. Os organizadores chegaram a baixar o nível da raia artificial, na esperança de que as margens atuassem como proteção. Tudo em vão. A ventania tornava a raia impraticável. Thomas Keller, presidente da FISA, atrasou a regata tanto quanto pode, já que não havia como adiá-la, devido às provas de canoagem previstas para o mesmo local, nos dias seguintes. Chegou então uma hora em que ela tinha que ser iniciada, qualquer que fosse o estado da raia.

O resultado da primeira prova confirmou a influência do vento: os medalhistas estavam nas raias mais abrigadas, os perdedores nas mais expostas. Para o oito de Ratzeburg, que treinava no Küchensee, lago de sua cidade onde a água era lisa duzentos dias por ano, as condições em Toda eram extremamente desfavoráveis. Já para o oito do Vesper, nem tanto. Eles treinavam no rio Schuylkill, em Philadelphia, cujo tráfego era intenso e a água agitada.

Mas a final tinha que ser corrida de qualquer maneira e quando chegou a hora do oito, já era noite. O páreo então foi disputado sob a luz de faróis de carros de bombeiros e de foguetes sinalizadores lançados de avião sobre a zona de chegada.

Este cenário irreal aumentava ainda mais a dramaticidade da prova pelo fato dos faróis destacarem apenas as guarnições de Ratzeburg e dos Estados Unidos, as quais, por estarem usando camisas brancas, refletiam melhor a luz. Aos olhos do público, parecia que só os dois barcos estavam na raia.

“Ou vai ou racha!” Assim o locutor oficial começou a transmissão da prova, no momento em que foi dada a partida, sintetizando a expectativa que dominava o mundo do remo. O oito de Ratzeburg largou na raia 3, bastante açoitada pelo vento, e os Estados Unidos na raia 6, a mais abrigada. Ratzeburg cruzou os 500 m em primeiro, 0,37 s à frente da União Soviética e 0,90 s à frente dos Estados Unidos. Estes apertaram no segundo 500 m e cruzaram os 1.000 m em segundo, 0,28 s atrás dos alemães. Entre os 1.000 e 1500 m algo inacreditável aconteceu: os norte-americanos foram 5,07 s mais rápidos que os alemães no terceiro 500 m (1 min 36,25 s contra 1 min 41,32 s), abrindo uma vantagem de 4,67 s. Ratzeburg reagiu muito nos últimos 500 m, fazendo 1 min 37,95 s, igualando a velocidade dos norte-americanos (1 min 37,68 s) mas não conseguiu descontar a diferença. A guarnição do Vesper Boat Club venceu por 5,06 s.

Ninguém jamais explicou convincentemente o que aconteceu naquele terceiro 500 m. Os norte-americanos disseram que seu oito trabalhou muito bem. Para os remadores alemães, a derrota foi devido às condições da raia, embora Adam nunca tenha endossado tal opinião. Para ele, a explicação era muito simples: “os outros países aprenderam nossos métodos de treinamento e usaram-nos melhor”. Mas no íntimo, todos estavam com um osso atravessado na garganta.
Depois da prova, Dietrich Rose disse a Adam, sem disfarçar o sorriso irônico: “Viu só, Kalli, se você tivesse me deixado longe do oito, nada disso teria acontecido.”

UM “MUNDIAL” PARTICULAR

Oito meses depois, em 3 de julho de 1965, os dois barcos novamente se encontraram na Regata Real de Henley, Inglaterra. Ambos estavam modificados: em cada um, três remadores foram substituídos. O barco de Adam era um combinado Ratzeburger / Lübeck.

Em Henley, a raia é estreita, só correm dois barcos de cada vez. Nas eliminatórias, alemães e norte-americanos foram liquidando os adversários de suas chaves, um a um, até que se defrontaram na final. Para o oito de Ratzeburg, era a oportunidade de mostrar que realmente era o melhor.

Os dois barcos largaram a 52 remadas por minuto. A regulagem de Ratzeburg era mais pesada que a do Vesper, por isso seu barco andava mais. Nas primeiras 10 remadas, conseguiu uma vantagem de 1,5 m sobre o adversário. E assim foram os dois, grudados pela distância afora. Nos 1.000 m, Vesper reagiu e quase chegou a emparelhar, mas a gana alemã era muito grande. Esta vitória, para eles, valia tanto quanto uma Olimpíada. Remada a remada, foram abrindo lentamente dos americanos e puseram uma vantagem de meio barco em cima deles. Cruzaram a linha de chegada em primeiro, baixando o recorde da raia em nada menos que 7 s.

Na semana seguinte, era a Regata de Lucerna, a mais importante da temporada, antes do Campeonato Europeu. As duas guarnições estavam inscritas. Mas a rixa entre elas era tão grande que, após Henley, concordaram em cancelar sua participação em Lucerna, só para disputarem a “negra” em Ratzeburg. Na opinião da imprensa, “ambas estavam disputando um campeonato mundial particular”.

Após tudo combinado, os norte-americanos viajaram para Ratzeburg, para treinar na casa do adversário e adaptar-se às condições locais. Os remadores de Adam, porém, receberam ordem para voltar às suas cidades e apresentar-se em Ratzeburg somente na sexta-feira à tarde, como habitualmente faziam. Isso deixou a guarnição do Vesper intrigada, sem entender como podia uma guarnição dissolver-se antes de uma batalha tão importante.

Em 10 de julho de 1965, Ratzeburg e Vesper alinharam mais uma vez, só que agora no Küchensee, para a “negra”. Ratzeburg saiu muito forte e, em 10 remadas, já tinha meio barco de vantagem. Foi ampliando a diferença e cruzou os 1.000 m um barco à frente. No segundo quilômetro, os americanos remaram muito, descontaram bastante, mas os alemães foram mais resistentes e venceram por 1 s.

A “pá de cal” foi jogada um mês depois, no Campeonato Europeu, realizado em Duisburg, Alemanha, entre 26 e 29 de agosto. Mas não sem drama. Nove países disputavam o oito, sendo que a União Soviética estreava uma guarnição fortíssima e promissora. Por ironia do destino, Estados Unidos e Alemanha caíram na mesma chave eliminatória. Após uma luta feroz, os campeões olímpicos prevaleceram, jogando os alemães na repescagem, na qual triunfaram facilmente. Os soviéticos venceram a outra eliminatória.

A final reuniu um público de 30 mil pessoas. Todos queriam ver o tira-teima, que já se tornara uma paixão nacional. A União Soviética largou velozmente, assumiu uma liderança frágil, nunca maior que um castelo de proa, sempre seguida pela Alemanha. No que os anais da FISA descreveram como “um esforço titânico”, o voga alemão, Klaus Aeffke, comandou uma levantada fulminante nas últimas remadas, pondo sua guarnição 1,14 s à frente do adversário, deixando os soviéticos com a medalha de prata. Os Estados Unidos chegaram em terceiro, sem jamais ameaçar tomar as duas primeiras posições. Ratzeburg liquidara de vez o seu mais difícil adversário.

A derrota em Tóquio estava vingada. E os Estados Unidos chegariam ao fim do milênio sem nunca mais ganhar o oito numa Olimpíada.
No final de 1965, Allen Rosemberg, técnico-chefe da equipe norte-americana, comentando os confrontos daquele ano contra Ratzeburg, reconheceu que, embora as duas guarnições fossem equivalentes, a de Ratzeburg era mais “macho” na hora de decidir.

CONHECENDO KARL ADAM

Em 1966, logo que fui convocado para disputar os Jogos Luso-Brasileiros em Portugal, resolvi que aproveitaria a viagem para visitar outros países europeus, para aprender mais sobre remo. Meu objetivo principal, porém, era encontrar-me com Karl Adam e por isso planejei assistir o Campeonato Alemão ocidental, que seria realizado em Hannover, onde Adam e seu famoso oito com certeza estariam.

Preparei-me bastante para esta viagem. Melhorei meus conhecimentos da língua inglesa tanto quanto pude e conversei com várias pessoas para saber que perguntas gostariam de fazer para Adam. Assim, fiz uma pauta com mais de 50 perguntas. Queria extrair dele tudo que fosse possível.

Assistir o Campeonato Alemão foi uma experiência inesquecível. Primeiro, foi meu espanto com o porte físico das pessoas que estavam assistindo a regata. Era todo mundo de 1,90 m para cima. Segundo, era a força com que as guarnições remavam e a ênfase no trabalho de pernas. Pareciam querer quebrar os remos e os finca-pés em cada remada. Terceiro, nenhum remador caía à ré.

Ora,isso no Brasil era considerado blasfêmia. Pois bem: lá, ninguém caía à ré.

A postura dos remadores no barco era, portanto, muito diferente da que estávamos acostumados a ver. Enquanto nós, brasileiros, procurávamos remar bonito, os alemães remavam como máquinas, sem se importar se isso era bonito ou feio. O que contava, primordialmente, era a força na água, feita em conjunto, do modo certo. Como dizia o próprio Adam, “o importante é a unidade dinâmica do conjunto”. Um exemplo desse contraste na forma de avaliar a remada foi dado por Buck, ex-técnico do Flamengo. Em 1967, ele viu pela primeira vez o oito de Ratzeburg durante a Regata de Lucerna.”Não gostei”, comentou ele, “me pareceu mal remado.”

Na véspera da final, o oito de Ratzeburg treinou normalmente: uma hora e meia de Intervall-Training, executando saídas e “piques” que duravam de 15 a 60 segundos, com voga altíssima e força total. No dia seguinte, venceu mais um campeonato alemão, impondo 14 s sobre seu mais forte adversário – o que lhe garantiu uma reportagem de duas páginas no jornal Bild am Sonntag.

Depois da prova eu caminhava pelas margens do Machsee, no meio do público, quando deparei com um senhor de estatura mediana, na faixa dos 50 anos, usando jaqueta, boné e óculos escuros. Aquela figura era-me familiar. Há muito tempo eu a conhecia de fotos: Karl Adam. Fui até ele e me apresentei: “Sou remador brasileiro, escrevo para o jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, e vim à Alemanha especialmente para entrevistá-lo.” Senti que ele gostou de ouvir isso. Pedi-lhe que marcasse hora e local para conversarmos. Ele, muito gentilmente, convidou-me para jantar no seu hotel, às 8 da noite. Adam não estava hospedado no mesmo lugar que seus remadores. O técnico tinha total confiança em seus atletas, por isso deixava-os à vontade, com a única recomendação de que fossem deitar uma hora mais tarde do que habitualmente faziam. “Assim eles caem na cama e dormem logo, sem ficar pensando no que vai acontecer amanhã,” explicou.

Às 8 horas em ponto, lá estava eu. Adam surgiu instantes depois, em companhia de seu assistente técnico, Manfred Rullfs, voga do oito campeão europeu (1959) e olímpico (1960), além de campeão europeu no quatro sem (1958) e nove vezes campeão alemão.

Mal sentamos no restaurante, não perdi tempo: puxei a minha lista com mais de 50 perguntas. Quando eles a viram, arregalaram os olhos, admirados com o tamanho da mesma. Sabendo que uma resposta gera outras perguntas, comentaram, entre sorrisos, que pelo visto teriam que passar a noite ali, para responder tudo aquilo. Mas, com muita boa-vontade, colocaram-se à disposição. Para não perder uma só palavra do que diziam, dispensei o jantar, pois naquele tempo não havia micro-gravador e era preciso anotar tudo. Então, durante duas horas e meia, entre uma cerveja e outra, fui ouvindo aquelas respostas tão esperadas, imaginando a cara do pessoal do meu clube (na época, o Botafogo F.R.) se soubessem com quem eu estava e o que fazia, naquele momento.

As respostas de Adam e Rullfs ajudaram-me a produzir quatro grandes matérias, publicadas em 24/8, 31/8, 9/9 e 2/10/66, no Correio da Manhã, um dos jornais mais conceituados do Brasil na época. A última dessas matérias foi o máximo: ocupou sozinha toda a primeira página do segundo caderno. Um fato histórico para o remo.

Não deixei de mandar cópia das mesmas para Adam, nem ele esqueceu a gentileza. No ano seguinte, um mês antes que o oito de Ratzeburg viesse ao Brasil, ele enviou-me um artigo inédito, que publiquei na edição de 22/10/67.

O FIM DE UMA ERA

Durante os anos 60, muitas nações, especialmente aquelas da Cortina de Ferro, passaram a tratar o esporte como assunto de Estado, importante demais para ser deixado à própria sorte. O esporte passou a ser usado intensamente como instrumento de propaganda política sendo seus resultados exibidos como fruto de um sistema econômico-político vitorioso.

Até 1965, a Alemanha, embora dividida politicamente, vinha participando dos campeonatos internacionais com uma só equipe, mas nos mundiais (masculino e feminino) de 1966, isso acabou. A Alemanha Oriental compareceu com suas próprias guarnições. Este fato foi um divisor de águas na história do remo mundial. O esporte alemão passou a ser mais bem representado pela sua porção oriental, graças à política esportiva que vinha sendo desenvolvida por seus governantes e às providências tomadas na sua esteira: seleção de talentos, padronização de técnica e de treinamento, além de apoio material e científico em larga escala para os atletas.

Em 1966, a Alemanha Oriental conseguiu 3 medalhas de ouro e 2 de bronze, contra 1 de ouro e 1 de bronze da Alemanha Ocidental. No ano seguinte, essa relação foi de 2 de ouro e 3 de prata contra 1 de ouro para os ocidentais. E na Olimpíada do México, foi de 2 de ouro e 1 de prata os orientais, contra 1 de ouro e 1 de prata para os ocidentais. As 3 medalhas de ouro da Alemanha Ocidental foram garantidas pelo oito de Karl Adam.

Este quadro de medalhas tanto evidenciava que – ignoradas as diferenças políticas - o remo alemão continuava sendo o mais forte do mundo, como, também,que os melhores remadores tinham ficado do lado oriental. Isso significava uma redução dramática no número de remadores à disposição de Adam e nas possibilidades de formar guarnições altamente competitivas.

A partir de 1968, outros fatos se conjugaram contra o grande treinador. Adam era muito emocional, envolvia-se demais com tudo que acontecia ao seu redor. Tinha muita empatia com os remadores. Além disso, era um tipo teimoso, obstinado, e por isso fazia inimigos. Tudo isso lhe custava muita energia. Em conseqüência, sua saúde foi debilitando-se .

Por outro lado, a Olimpíada do México tinha marcado o fim de uma geração de grandes remadores alemães ocidentais. Era preciso reconstruir toda uma equipe, mas já não havia grandes remadores em número suficiente no país e Adam não podia mais contar com seus compatriotas do outro lado do Muro. As formas de treinamento também estavam mudando, do trabalho intervalado para as grandes quilometragens, que consumiam mais tempo de treino. E a Alemanha Ocidental não tinha como submeter seus remadores ao esquema de vida e de treinamento de seus irmãos orientais.

A saúde debilitada levou Adam a entregar gradualmente o treinamento do oito para Manfred Rullfs. Em 1969, o oito, treinado por Rullfs, foi 3º colocado no campeonato europeu, 2,14 s atrás do vencedor – Alemanha Oriental – e 0,14 s atrás da União Soviética.

Quando o encontramos pela segunda vez, em 1970, durante o campeonato mundial realizado em Saint Catharines, Canadá, Adam estava muito magro e envelhecido. Tinha um ar cansado. Em nada lembrava o ex-campeão mundial universitário de boxe que havíamos conhecido quatro anos antes. Naquela ocasião, o oito alemão ocidental terminou em 4º lugar, enquanto o da Alemanha Oriental ficou com o ouro. Entre 1971 e 1974, suas colocações variaram sempre entre 5º e 6º lugar, apesar de todo o seu empenho, em 1972, para dar um oito campeão à Alemanha, sede da Olimpíada.

Em 1974, Adam sofreu seu primeiro infarto. No ano seguinte, seu oito não chegou às finais. E em 18/6/76, quando fazia sua corrida habitual, um segundo e definitivo infarto tirou-lhe a vida.

A TÉCNICA ADAM

Adam rejeitou os métodos de treinamento então em uso, os quais considerava ultrapassados. Suas teorias revolucionárias abrangeram tanto o atleta quanto o equipamento. Desenvolveu sua técnica de remada baseada no seguinte princípio: máxima ênfase no trabalho de pernas, sobre uma distância maior. As pernas devem realizar tanto trabalho quanto for fisicamente possível.

Para usar as pernas sobre uma distância maior do que era usual na época, Adam aumentou o comprimento do trilho de 65 cm para até 83 cm. Para facilitar o uso total de um trilho tão comprido, inclinou-o de 1 a 3 cm em direção à ré do barco e o remador acelerava progressivamente o carrinho quando ia à proa. Desse modo, o remador podia fechar bem o ângulo dos joelhos quando chegasse na proa, quase encostando o carrinho nos calcanhares. Esse recurso tanto facilitava a chegada à frente como aproveitava a capacidade reativa dos músculos da coxa e os efeitos da 3ª Lei de Newton sobre a velocidade do barco.

O trilho assim instalado tinha mais uma vantagem: o ponto onde o remador puxava o remo, no final, ficava 1 a 3 cm mais alto do que ficaria se o trilho estivesse na horizontal. Isso significava que a pá estaria mais funda, no fim da remada.

Nessa posição bem à proa, os joelhos do remador, por estarem bem elevados, impediam-no de inclinar o tronco à frente e a remada começava com o tronco praticamente na vertical e os braços bem estendidos e travados. Como, nessa posição, a remada poderia ficar curta, Adam avançou os trilhos 5 cm além da linha do pino da forqueta. Para poder fazer isso com facilidade, adotou trilhos montados sobre calhas (tal como são hoje), em lugar dos trilhos fixos aparafusados na bancada. Do ponto de vista mecânico, o avanço dos trilhos em 5 cm distribuía igualmente a pressão da remada por toda a braçadeira, reduzindo as possibilidades de deformação das mesmas, no momento do esforço.

No ataque, pernas e tronco trabalhavam simultaneamente, sendo que a maior parte do balanço do tronco ocorria logo na primeira metade da passagem. Quanto antes os ombros ficassem atrás do carrinho (posição de “cabo de guerra”) melhor.

Devido à grande flexão das pernas na proa e à posição de “cabo de guerra” do tronco, os joelhos ainda estavam num ângulo de 90° no meio da remada, no momento em o remo atingia a posição perpendicular ao barco. Os carrinhos tinham usado apenas parte do comprimento dos trilhos. Esse ângulo dos joelhos, somado à posição de “cabo de guerra” assumida pelo tronco, davam ao corpo uma posição muito forte no meio da remada, possibilitando o máximo aproveitamento da faixa de 70° – 110° da remada (a zona onde praticamente 100% do esforço é usado para propelir o barco). Esta era a chamada “remada núcleo” (kernschlage), marca registrada da técnica Adam.

O empurrão de pernas perdurava do ataque ao final. Os braços entravam em ação somente na última parte da remada e terminavam seu trabalho junto com o das pernas. No final, a queda do tronco à ré era mínima, passando ligeiramente da vertical, permitindo assim vogas mais altas, já que não se gastava tempo com a recuperação do tronco. Seus oitos remavam a 40 remadas por minuto, numa época em que 36 era considerada a voga ideal para esse barco.

MAIS INOVAÇÕES

Como tal técnica exigia pernas muito fortes e flexibilidade nos tornozelos, Adam iniciou os remadores no treinamento de força (“Peso deixa forte, é só levantar”, dizia), o que até então era inusitado. Seus exercícios preferidos eram o arranco, épaulé, agachamento (dorsal ou frontal) ou leg-press e remada deitada. Quanto à flexibilidade nos tornozelos, foi resolvida substituindo-se as antigas sapatas fixas de madeira onde os pés eram presos por correias, por tênis aparafusados numa base fixada aos finca-pés, tal como é hoje.

O comprimento dos remos também foi aumentado dos 3,75 m usuais naquela época até chegar a 3,83 m. Esses remos mais longos, conjugados com distâncias de pino a centro maiores, era mais um detalhe da “remada núcleo”, que permitia concentrar a remada na faixa dos 70° – 110°. Adam inovou ainda no desenho da pá. Em 1959, apresentou ao mundo uma pá mais curta e mais larga que a usual, por ocasião do campeonato europeu, realizado em Macon (França). Essa pá, que ficou conhecida como Macon, reinou absoluta por 30 anos, até o surgimento da big blade.

Junto com Wilhelm Karlish, proprietário do conhecido estaleiro alemão, fez várias experiências visando aperfeiçoar a forma dos barcos e sua construção. Numa época em que os oitos fabricados na Alemanha chegavam a ter mais de 20 m de comprimento, Adam passou a usar barcos de 17,50 m, de resposta mais rápida à remada mais curta e às vogas altas que usava.

Na Olimpíada de 1968, ele apareceu no México com um oito 28 kg mais leve que os dos concorrentes e, na de 1972, com dois modelos ainda mais revolucionários. Em Munique, sua guarnição competiu com um barco especial feito com materiais compostos, construído pela Empacher (o primeiro do gênero feito por este fabricante) e que pesava apenas 105 kg, inacreditável para a época. Mas na prateleira ficou outro muito mais avançado, conhecido como “casco de vidro”. Projetado por Luigi Colani, um renomado designer berlinense, autor de arrojadíssimos projetos de aviões, carros e barcos, foi construído com apoio da industria aeroespacial alemã. Pesava incríveis 75 kg. Seu casco, também de materiais compostos, era branco, de um opaco translúcido, parecendo uma escultura Lallique. Tinha a espessura quase que de uma folha de papel. Sua estrutura, toda em titânio, tinha partes que atravessavam o casco, projetando-se para fora do barco e formando as braçadeiras. Ironicamente, a guarnição não o usou na Olimpíada porque não se sentia confortável nele.

Atualmente, o barco está exposto no River & Rowing Museum, em Henley, Inglaterra, e classificado entre suas dez maiores atrações.

O CAMINHO DAS MEDALHAS

Adam revolucionou ainda o treinamento, ao formar o oito com base em eliminatórias no skiff e ao colocar remadores de barcos grandes para treinar em skiff e dois sem, barcos que considerava “os melhores professores de técnica”. Adotou esses recursos porque acreditava que “quem faz um skiff ou dois sem andar fará o mesmo com qualquer outro barco”. Sessenta por cento do treinamento era feito nesses barcos, o que lhe permitia individualizar o treinamento. Além disso, seus remadores moravam em cidades diferentes e só podiam treinar em conjunto nos finais de semana. Logo o mundo despertou para as vantagens desse método, a ponto de ser adotado até hoje, sem questionamentos.

Um dos pontos mais altos da revolução feita por Karl Adam foi adaptar ao remo o Intervall – Training, desenvolvido por seu compatriota Woldemar Gerschler. Essa providência, mais o treinamento com pesos, mudou a face do remo internacional. Suas séries de 6-8 tiros de 560 m, ou de 4 tiros de 1.000 m correram o mundo, ficando comprovado que elas tinham um altíssimo grau de correlação com o resultado em 2.000 m. Embora Adam recomendasse tiros entre 500 e 600 m, ele usava 560 m, para que uma saída boa ou ruim não influenciasse o tempo em 500 m. Portanto, o barco entrava nos 500 m “lançado”, ou seja, já em velocidade.

O treinamento aeróbico também foi aperfeiçoado. Sem ter à disposição remadores em tempo integral que pudessem realizar longas quilometragens, como começava a acontecer na vizinha Alemanha Oriental (alguns chegavam a fazer 70 km diários) e para evitar a monotonia desse tipo de trabalho, Adam partiu para formas de trabalho intensas, em vez de extensas. Um das formas de treino, por exemplo, consistia em remar com muita força numa voga 6 – 8 remadas abaixo da usada em competição, dando um pique de 20 remadas no ritmo da prova a cada 6 ou 5 – 4 – 3 – 2 minutos. Outra forma era trocar de ritmo, de 12 para 34 remadas/minuto, com muita força, a cada 1 ou 2 – 3 – 4 – 5 minutos. Outra ainda era remar 4 x 7 minutos (duração escolhida em função do tempo médio em 2.000 m, na época), ou remar um trecho de 10 km, com voga para provas de longa distância (algumas remadas abaixo da voga usada em 2.000 m).

Se considerarmos que, nos dias atuais, a ciência aponta as vantagens dos treinos aeróbicos intensivos sobre os extensivos, podemos concluir que, 30 anos atrás, Adam já vislumbrava o futuro.

Adam foi ainda o primeiro técnico de remo a levar uma seleção nacional para fazer treinamento em altitude e com rigoroso acompanhamento científico. Dois anos antes da Olimpíada do México, o oito de Ratzeburg já treinava em Silvretta - Stausee (Áustria), situada a 2.045 m . As experiências dessa época estão fartamente documentadas no livro Rudertraining.

Ele foi também um pioneiro no acompanhamento fisiológico de remadores em laboratório, ao lado do médico Paul Nowacki. Ambos publicaram dezenas de artigos sobre Fisiologia do Exercício aplicada ao remo, além de adaptarem e desenvolverem diversos protocolos de testes. Karl Adam conhecia seus remadores por dentro e por fora.

Adam promoveu a maior revolução que o remo mundial já conheceu. As guarnições sob seu comando conquistaram 29 medalhas olímpicas e mundiais, uma dúzia de Campeonatos Europeus (que valiam como mundiais, na época) e um grande número de Campeonatos Alemães em praticamente todos os barcos.
Adam colocou a minúscula Ratzeburg no mapa do mundo e a transformou em sinônimo de remo campeão.

MUDANDO PARA MOTIVAR

Mas não foi só no aspecto físico e técnico que ele fez uma revolução. Ele sabia como levar uma guarnição a dar o máximo também do ponto de vista psicológico. Por exemplo: em 1959, ele treinava um dois-sem cujos remadores, Ingo Kliefoth e Bernd Kruse, tinham 19 anos de idade e pesavam apenas 73 kg. Preparava-os para disputar o campeonato europeu. Porém, ambos estavam totalmente desmotivados. Quando um deles estava sozinho com Adam, queixava-se do companheiro. Quando estavam juntos, ambos queixavam-se do treinador. Nos treinos, só iam bem até o primeiro “tiro”, depois se desestruturavam. Viviam irritados e desafiadores.

Adam concluiu que participar do campeonato europeu estava fora de questão para eles, e como tudo parecia já estar perdido mesmo, resolveu fazer uma experiência drástica: designou-os para transportar os barcos alemães que iriam participar do campeonato. Meteu-os num velho microônibus, de onde foram retirados os bancos traseiros para dar espaço a colchões. Em companhia de dois ajudantes, revezaram-se na direção por quase 2.000 km sem parar. Enquanto dois tiravam uma soneca, os outros tocavam o velho carro, cuja velocidade máxima era de 60 km/h, somente atingida nas descidas. Durante dois dias e meio, eles se arrastaram pela estrada. Adam acreditava que a melhor forma de recreação era fazer uma coisa diferente. E não deu outra. Quando o dois sem voltou aos treinos, seus problemas psicológicos estavam resolvidos. Segundo os registros da FISA, eles venceram o campeonato europeu com uma atuação brilhante, “travando uma magnífica batalha contra a guarnição soviética, onde a liderança mudou de mãos o tempo todo.’’ Comentando esta prova anos depois, Adam disse que eles chegaram perto do seu melhor desempenho mais do que qualquer outra guarnição que ele já tinha treinado.

Três anos depois, Kliefoth e Kruse fizeram parte do oito, sagrando-se campeões mundiais em 1962 e europeus em 1963.

UM TREINADOR ÍDOLO

Adam cultivava o estilo democrático. Os objetivos, planos de treinamento e táticas de corrida eram discutidos com os remadores e fruto do consenso. Afinal, que adiantaria obrigá-los a fazer algo de que discordavam?

Seu modo de agir influenciava forte e positivamente seus atletas, que ainda hoje o idolatram e reverenciam sua memória. Horst Meyer, que integrou o oito de 1962 a 1968, conquistando nesse período 7 medalhas de ouro e 1 de prata, escreveu certa vez: “Karl Adam foi muito copiado, mas nem sempre entendido. Não apenas seus métodos de treinamento contavam, mas eram principalmente sua capacidade pedagógica, responsabilidade e independência que marcavam os jovens. Ele sentia-se satisfeito e orgulhoso quando via seus atletas ou seus alunos transferirem para suas vidas as qualidades adquiridas no remo.”

Em um artigo publicado na revista Olympische Feuer (Fogo Olímpico), em 1992, Karl-Heinrich von Groddeck, um de seus remadores mais exponenciais (também 7 medalhas de ouro e 1 de prata em mundiais e Olimpíadas) e atualmente jornalista esportivo, referiu-se a Adam “como uma benção para o remo, maior do que se imagina. Para seus remadores, ele foi técnico, professor, conselheiro e incentivador. Foi também o teórico, o critico, o filósofo, o escritor, um verdadeiro intelectual, mas sempre acessível. Um modelo de homem que muitos jovens idealizam”. E concluiu: “Por mais de vinte anos seus atletas não remaram só pela Alemanha, ou só por Ratzeburg. Remaram também por Karl Adam e suas idéias”.

Volker Nolte, campeão mundial de seniores B em 1972 (dois com) e 1976 (four-skiff), medalha de bronze no mundial de juniores em 1970 (double) e durante vários anos técnico das guarnições peso-leve medalhistas do Canadá, participou de seleções alemãs orientadas por Adam, embora nunca tenha sido treinado por ele. Ao colhermos informações com ele para preparar este trabalho, assim Nolte se expressou sobre Karl Adam: “Ele tinha grande carisma e era muito inteligente. Sua concepção da Academia de Remo de Ratzeburg era fantástica. Até hoje as pessoas não a apreenderam bem. Gosto de gente como Adam. Elas pensam muito além do mundo restrito do esporte. São sonhadoras e idealistas. Desejaria que houvesse mais gente como ele.”

COMPARTILHANDO O CONHECIMENTO

Adam imaginava um local onde a pesquisa, o aperfeiçoamento dos técnicos e o treinamento coabitassem: uma Academia de Remo. Nesse local, ele faria pesquisas sobre barcos, treinamento e atletas. Publicaria os resultados em artigos e livros, tornando os novos conhecimentos disponíveis para todos. Haveria cursos para treinadores e clínicas. A cada manhã, antes do treino, teria uma aula teórica para explicar aspectos do treinamento aos atletas, e aspectos pedagógicos para os técnicos. Os atletas seriam educados simultaneamente com o treinamento. O objetivo de Adam era treinar o atleta para que ele não precisasse de técnico. “Treine o atleta para treinar-se a si mesmo”, era sua máxima.

Karl Adam nunca escondeu seus métodos de trabalho, pelo contrário, sempre os compartilhou com quem estivesse interessado. À medida que a saúde debilitada o afastava do treinamento, sua produção intelectual aumentava.Publicou quatro livros: Modernes Krafttraining im Sports, Leistungsport: Sinn und Unsinn, Leistungsport als Denkmodell e uma das bíblias do remo moderno, Rudertraining, indispensável na estante de qualquer estudioso.
A bibliografia de Adam contém ainda mais de duzentos artigos sobre remo, pedagogia, sociologia e filosofia, além de outros sobre o esporte em geral. Ele tornou-se referência mundial no meio esportivo. Rara era a edição da Rudersport, a revista da Federação Alemã de Remo, que não trouxesse algo escrito por ele.

Quando lhe perguntavam se não temia ser derrotado com suas próprias armas (pois não fazia segredo de seus métodos), dizia: “Quando todos os competidores forem bons, as coisas ficarão mais excitantes. A tática então passará a ser valorizada. E quando todos dominarem os métodos certos de treinamento, o mais importante será a identificação dos talentos”.

RECONHECIMENTO

Nas palavras do ex-presidente da Federação Alemã de Remo, dr. Walter Wülfing, “Karl Adam foi não somente o melhor treinador de remo alemão, mas provavelmente o maior treinador de toda a Alemanha”. Seu nome é citado como um dos grandes que revolucionaram o esporte daquele país, como Woldemar Gerschler, pai do Intervall-Training, Josef Herberger, do futebol, ou Gustav Rau, do hipismo. Sua técnica continua viva, especialmente entre os remadores de palamenta dupla. Basta rever as finais dos Campeonatos Mundiais e Olimpíadas, do período 1996 – 2000. Hoje, trilhos de 85 cm são usados até por mulheres e com avanços de até 15 cm em relação ao pino da forqueta.

Karl Adam recebeu importantes homenagens, em vida. Em 1962, foi agraciado com o título de Cidadão de Ratzeburg. Em 1963, após seu oito vencer as cinco regatas de que participou nos Estados Unidos, foi recebido pelo presidente John F. Kennedy nos jardins da Casa Branca. Em plena época de Guerra Fria, Kennedy exclamou, ao cumprimentá-lo: “Você acabou com os russos”, referindo-se às sucessivas derrotas que Adam impunha ao poderoso oito soviético, “isso é fabuloso!”

Em 1972, o governo alemão concedeu-lhe a Cruz do Mérito da República Federal da Alemanha. Nesse mesmo ano, a Universidade de Karlsruhe outorgou-lhe o titulo de Doutor Honoris Causa. Com certeza, ele foi um dos raríssimos treinadores, senão o único, a receber tal honraria universitária, no mundo. Em 1976, foi eleito Membro Honorário da Federação Alemã de Remo. A Lauenburgischen Gelehrtenschule, onde ele começou sua vitoriosa carreira de técnico de remo, homenageou-o com um busto, no seu ginásio de esportes.
A Ruderakademie Ratzeburg (Academia de Remo de Ratzeburg) , que Karl Adam criou em 1966 e dirigiu até sua morte, dez anos depois, influenciou fortemente o remo internacional. Nenhum país ficou imune ao que ali se fazia. Por seus portões passaram e passam, até hoje, treinadores e equipes de várias partes do globo, em busca de aperfeiçoamento. A Academia continua sendo um dos grandes templos do conhecimento do remo mundial. Dali flui toda a orientação para as sempre poderosas guarnições alemãs.

Nos seus jardins, um busto em bronze do maior treinador que o remo já conheceu guarda esse local tão respeitado, fruto da sua visão, grande cultura e espírito arrojado.

KARL ADAM
5/2/1912 – 18/6/1976