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ANOS SEM KARL ADAM
Texto e história escrita por : Wilson Reeberg
Este
pequeno trabalho é a uma contribuição para que as novas gerações de remadores
e de técnicos saibam quem foi Karl Adam. É, também, um tributo que prestamos à
memória de quem, por muitos anos, nos inspirou a treinar e a vencer.
Quando
o soldado Karl Adam voltou do front da Segunda Guerra Mundial, em 1944, com um
ferimento sério no braço esquerdo, os médicos não lhe deram muita esperança de
recuperar os movimentos do membro atingido. Para um ex-atleta lançador de
martelo e ex-campeão mundial universitário de boxe da categoria peso-pesado
(1937), essa não era uma boa notícia.
Para
curar o braço paralisado, Adam escolheu uma forma peculiar de fisioterapia: foi
para o interior, trabalhar em serviços pesados, até seu braço voltar ao normal.
Em
1948, foi para Ratzeburg, onde começou a lecionar suas especialidades
(Matemática, Física, Filosofia e Educação Física) na Lauenburgischen
Gelehrtenschule (Escola de Eruditos Lauenburg), da qual, dois anos depois,
passou a diretor. Nesta instituição, fundada em 1.160 como escola para
religiosos e atualmente funcionando como colégio de nível médio, Karl Adam foi
designado responsável pela turma de remo, que viria a ser o embrião do futuro
Ratzeburger Ruderclub. Embora nada entendesse de remo, Adam aceitou o desafio,
porque sentia atração pelos problemas físico-matemáticos deste esporte e já
tinha, nessa época, idéias próprias e originais sobre treinamento.
Com
o único barco que havia (um gig a quatro, com timoneiro) formou sua primeira
guarnição. Dela faziam parte Klaus von Fersen, que viria a ser vice-campeão
europeu, e Walter Schröder, futuro campeão europeu e olímpico. Esse modesto
gig, remado por adolescentes, foi o primeiro barco vitorioso no currículo de
Adam como treinador, conseguindo vitórias tão marcantes em provas destinadas a
escolares que chegaram a acusar seus remadores de pertencerem a categorias
superiores.
O
RATZEBURGER RUDERCLUB
Com
o passar do tempo, ficou claro que o remo escolar não oferecia condições para
desenvolver todo o potencial dos jovens treinados por Adam. Assim, em 20 de
março de 1953, um grupo de dezoito pessoas, reunidas no modesto Hotel Stadt
Hamburg, dentre eles Karl Adam, von Fersen e Walter Schröder, fundaram o
Ratzeburger Ruderclub. Sua primeira garagem foi um pequeno e tosco barracão,
sem chuveiro nem instalações sanitárias.
No
seu primeiro ano, o clube obteve 8 vitórias. Sua maior estrela, von Fersen,
“arrebentou” no skiff. Venceu regatas de sua categoria – júniores – com até 12
barcos de diferença. Sobre as vitórias do Ratzeburger, um jornalista escreveu
certo dia: “Quanto esses jovens poderiam melhorar nas mãos do treinador certo,
no clube certo”. Ao que os remadores reagiram com uma frase lapidar: “A
inteligência da m... deu sinais de vida!”. E para provar que estavam com o
treinador certo, no clube certo, venceram 18 vezes, no ano seguinte.
Em
1955, foram 32 vitórias, dentre elas o Campeonato Alemão no skiff e no
double-skiff (von Fersen dobrou no double com Manfred Rullfs, futuro campeão
europeu e olímpico).
Naquele
ano, o clube iniciou a construção de uma nova garagem. Foi a primeira obra do
arquiteto Hein, um recém-formado que tinha aplicado seus últimos recursos na
instalação de um pequeno escritório em Ratzeburg. Curiosamente, Hein, que nada
sabia de remo, teve como primeiro cliente o Ratzeburger Ruderclub. A garagem
que ele inicialmente projetou tinha apenas 12 m de comprimento, que mal daria
para abrigar o quatro- com, maior barco existente no clube. Foi Adam quem
evitou o desastre ao esclarecer que precisava pelos menos de 18 m para acomodar
um oito.
Em
1956, ano de inauguração da nova garagem, o número de vitórias aumentou para
39, com von Fersen repetindo o título alemão e conseguindo a medalha de prata
no Campeonato Europeu. Com isso, ganhou o direito de representar a Alemanha nos
Jogos Olímpicos de Melbourne. Von Fersen não chegou à final, pois, sendo praticamente
um peso-leve, não conseguiu lutar contra o forte vento de proa que dominava a
raia.
O
fato é que, com apenas três anos de existência, Adam já tinha dado ao seu clube
três títulos nacionais e um vice-campeão europeu e remador olímpico.
No
ano seguinte, foram mais 32 vitórias e mais dois títulos alemães, no quatro sem
e num oito misto que tinha quatro remadores de outro clube. Von Fersen
conseguiu mais uma medalha de prata no Campeonato Europeu, mas tinha então
trocado o Ratzeburger Ruderclub pelo Germania Dusseldorf.
Agora,
o Ratzeburger havia sentido o “gostinho do oito”, barco que a Alemanha nunca
tinha vencido numa Olimpíada. Assim, em 1958, o clube fixou como objetivo
vencer o Campeonato Alemão num oito todo seu, o que Adam acabou conseguindo com
uma guarnição formada por 3 remadores sêniores, 5 júniores pesando em média 73
kg e um barco emprestado (porque nem oito o clube tinha).
Começava
ali a lenda do oito de Ratzeburg!
O
OITO DE RATZEBURG
No
Campeonato Europeu de 1958, o oito do Ratzeburger Ruderclub venceu sua
eliminatória, mas na final classificou-se em 5º lugar. Comparando seus
remadores com os adversários, Adam concluiu que precisava de homens mais fortes
que seus júniores. Trouxe então para o oito a guarnição do quatro-sem vencedor
daquele campeonato, formada por Manfred Rullfs e Hans Lenk, do Ratzeburger, e
dois outros remadores da cidade de Kiel. Nasceu daí o conceito de “treinamento
à distância” no remo. Durante a semana, todos treinavam em barcos pequenos, em
suas cidades, seguindo um plano de treinamento feito por Adam. Na sexta-feira à
tarde, reuniam-se em Ratzeburg para o primeiro treino em conjunto da semana.
Com mais dois treinos no sábado (de manhã e à tarde) e outros dois no domingo,
o oito realizava cinco treinos semanais em conjunto.
O
resultado foi uma vitória arrasadora no Campeonato Europeu de 1959, com uma
diferença de 9,33 s sobre a Tchecoslováquia, segunda colocada. Essa foi a maior
diferença já registrada numa prova de oito em competições desse porte, até
aquela data.
O
sucesso do “treinamento à distância” permitiu a Adam formar guarnições mais
fortes nos anos seguintes, sem depender apenas dos remadores do Ratzeburger.
A
Olimpíada de Roma, em 1960, foi um marco na história do esporte alemão e
mundial. Adam concretizou o maior sonho do remo daquele país, que era ter um
oito campeão olímpico. Seu barco – um combinado Ratzeburger / Kiel - liderou a
prova de ponta a ponta, pondo fim a um reinado de 36 anos dos norte-americanos,
que não perdiam o oito em Jogos Olímpicos desde 1920. Para o remo dos Estados
Unidos, este foi o seu Waterloo.
Em
1961, uma desagradável surpresa: depois de passar os 1.500 m com 2 s de
vantagem sobre a Itália, o oito de Adam não resistiu à arrancada final do
adversário e perdeu por míseros 0,17 s.
Mas
em Lucerna, em 1962, Adam lavou a alma. Durante o 1º Campeonato Mundial, seus
remadores venceram não apenas o oito, mas todas as 5 provas de palamenta
simples e ainda conseguiram um bronze no double-skiff. “Este foi um dos dias
mais marcantes da carreira de Karl Adam”, registrou a FISA. Oito de Ratzeburg:
guarnição campeã mundial em 1962
Em
1963 – 64 – 65 e 67, o oito de Ratzeburg venceu todos os Campeonatos Europeus e
foi medalha de prata na Olimpíada de Tóquio.. Em 1966, venceu o 2º Campeonato
Mundial. Neste ano, o conceito de “treinamento a distância” já tinha evoluído a
ponto do oito – apesar de treinar nos fins de semana em Ratzeburg - ser formado
por remadores de Berlim, Karlsruher, Frankfurt, Hannover e Hamburgo.
Os
Jogos Olímpicos do México presenciaram mais uma vitória do oito treinado por
Karl Adam. A medalha de ouro foi conquistada mesmo com um remador reserva
(Nicolaus Ott) entrando no barco somente no dia da final, no lugar do proa
Roland Boose, impedido de correr na última hora, devido a uma infecção
dentária.
A
esta guarnição coube a honra, quatro anos mais tarde, de carregar a bandeira
olímpica, na abertura dos Jogos de Munique.
1964
Este
ano tem uma história particular.
Em
1964, o Vesper Boat Club, de Philadelphia, estava de técnico novo. Seu nome:
Dietrich Rose. Procedência: Ratzeburg, Alemanha. Profissão: auxiliar técnico de
Karl Adam.
Inconformado
com a derrota sofrida pelos Estados Unidos em 1960, que abalara a reputação e a
auto-confiança do remo norte-americano, o Vesper queria formar um oito para
ganhar os Jogos Olímpicos de Tóquio. E resolveu que o melhor meio para derrotar
os alemães seria usando suas próprias armas. Para formar uma guarnição
poderosa, o Vesper resolveu partir para uma verdadeira seleção nacional.
Remadores de universidades e de clubes de vários Estados norte-americanos
deixaram seus empregos, casas, famílias, tudo que tinham, para tentar uma vaga
no oito de Philadelphia.
Dietrich
Rose tratou de aplicar nesse oito tudo que havia aprendido com Karl Adam –
treinamento com pesos, intervall-training, etc. – e o fez muito bem. O
resultado foi uma guarnição fortíssima, da qual diziam que, se em vez do oito
corresse quatro-com, quatro-sem, dois-com e dois-sem, mesmo dobrando, traria
quatro medalhas de ouro, em vez de uma.
Em
Tóquio, quis o destino que as duas guarnições se enfrentassem já nas
eliminatórias, numa verdadeira final antecipada. Nesse dia, o barco
norte-americano, apesar de todo seu poderio, perdeu por ínfimos 0,28 s. Mas
depois classificou-se na repescagem.
Dias
depois, a grande final. Toda a nação alemã estava ligada nas notícias que
vinham de Tóquio. E apreensiva, também, porque desde que o oito de Ratzeburg
começara a ganhar, em 1959, os adversários estavam chegando cada vez mais
perto. Naquele ano, a diferença para o segundo colocado tinha sido de 9,33s; em
1960, 4,36s; em 1962, 2,73s; em 1963, 3,08s; e em 1964, 0,32s. Agora, na
eliminatória olímpica, a diferença tinha caído ainda mais: 0,28 s e eles sabiam
que os norte-americanos estavam “mordidos”. Queriam muito reconquistar a
hegemonia nesta prova.
As
notícias que chegavam da raia de Toda, em Tóquio, deixava os alemães ainda mais
apreensivos. O início da regata vinha sendo postergado, hora após hora, porque
soprava um fortíssimo vento de proa, em diagonal, com rajadas de 9 m/s. Os
organizadores chegaram a baixar o nível da raia artificial, na esperança de que
as margens atuassem como proteção. Tudo em vão. A ventania tornava a raia
impraticável. Thomas Keller, presidente da FISA, atrasou a regata tanto quanto
pode, já que não havia como adiá-la, devido às provas de canoagem previstas
para o mesmo local, nos dias seguintes. Chegou então uma hora em que ela tinha
que ser iniciada, qualquer que fosse o estado da raia.
O
resultado da primeira prova confirmou a influência do vento: os medalhistas
estavam nas raias mais abrigadas, os perdedores nas mais expostas. Para o oito
de Ratzeburg, que treinava no Küchensee, lago de sua cidade onde a água era
lisa duzentos dias por ano, as condições em Toda eram extremamente
desfavoráveis. Já para o oito do Vesper, nem tanto. Eles treinavam no rio
Schuylkill, em Philadelphia, cujo tráfego era intenso e a água agitada.
Mas
a final tinha que ser corrida de qualquer maneira e quando chegou a hora do
oito, já era noite. O páreo então foi disputado sob a luz de faróis de carros
de bombeiros e de foguetes sinalizadores lançados de avião sobre a zona de
chegada.
Este
cenário irreal aumentava ainda mais a dramaticidade da prova pelo fato dos
faróis destacarem apenas as guarnições de Ratzeburg e dos Estados Unidos, as
quais, por estarem usando camisas brancas, refletiam melhor a luz. Aos olhos do
público, parecia que só os dois barcos estavam na raia.
“Ou
vai ou racha!” Assim o locutor oficial começou a transmissão da prova, no
momento em que foi dada a partida, sintetizando a expectativa que dominava o
mundo do remo. O oito de Ratzeburg largou na raia 3, bastante açoitada pelo
vento, e os Estados Unidos na raia 6, a mais abrigada. Ratzeburg cruzou os 500
m em primeiro, 0,37 s à frente da União Soviética e 0,90 s à frente dos Estados
Unidos. Estes apertaram no segundo 500 m e cruzaram os 1.000 m em segundo, 0,28
s atrás dos alemães. Entre os 1.000 e 1500 m algo inacreditável aconteceu: os
norte-americanos foram 5,07 s mais rápidos que os alemães no terceiro 500 m (1
min 36,25 s contra 1 min 41,32 s), abrindo uma vantagem de 4,67 s. Ratzeburg
reagiu muito nos últimos 500 m, fazendo 1 min 37,95 s, igualando a velocidade
dos norte-americanos (1 min 37,68 s) mas não conseguiu descontar a diferença. A
guarnição do Vesper Boat Club venceu por 5,06 s.
Ninguém
jamais explicou convincentemente o que aconteceu naquele terceiro 500 m. Os
norte-americanos disseram que seu oito trabalhou muito bem. Para os remadores
alemães, a derrota foi devido às condições da raia, embora Adam nunca tenha
endossado tal opinião. Para ele, a explicação era muito simples: “os outros
países aprenderam nossos métodos de treinamento e usaram-nos melhor”. Mas no
íntimo, todos estavam com um osso atravessado na garganta.
Depois
da prova, Dietrich Rose disse a Adam, sem disfarçar o sorriso irônico: “Viu só,
Kalli, se você tivesse me deixado longe do oito, nada disso teria acontecido.”
UM
“MUNDIAL” PARTICULAR
Oito
meses depois, em 3 de julho de 1965, os dois barcos novamente se encontraram na
Regata Real de Henley, Inglaterra. Ambos estavam modificados: em cada um, três
remadores foram substituídos. O barco de Adam era um combinado Ratzeburger /
Lübeck.
Em
Henley, a raia é estreita, só correm dois barcos de cada vez. Nas
eliminatórias, alemães e norte-americanos foram liquidando os adversários de
suas chaves, um a um, até que se defrontaram na final. Para o oito de
Ratzeburg, era a oportunidade de mostrar que realmente era o melhor.
Os
dois barcos largaram a 52 remadas por minuto. A regulagem de Ratzeburg era mais
pesada que a do Vesper, por isso seu barco andava mais. Nas primeiras 10
remadas, conseguiu uma vantagem de 1,5 m sobre o adversário. E assim foram os
dois, grudados pela distância afora. Nos 1.000 m, Vesper reagiu e quase chegou
a emparelhar, mas a gana alemã era muito grande. Esta vitória, para eles, valia
tanto quanto uma Olimpíada. Remada a remada, foram abrindo lentamente dos
americanos e puseram uma vantagem de meio barco em cima deles. Cruzaram a linha
de chegada em primeiro, baixando o recorde da raia em nada menos que 7 s.
Na
semana seguinte, era a Regata de Lucerna, a mais importante da temporada, antes
do Campeonato Europeu. As duas guarnições estavam inscritas. Mas a rixa entre
elas era tão grande que, após Henley, concordaram em cancelar sua participação
em Lucerna, só para disputarem a “negra” em Ratzeburg. Na opinião da imprensa, “ambas
estavam disputando um campeonato mundial particular”.
Após
tudo combinado, os norte-americanos viajaram para Ratzeburg, para treinar na
casa do adversário e adaptar-se às condições locais. Os remadores de Adam,
porém, receberam ordem para voltar às suas cidades e apresentar-se em Ratzeburg
somente na sexta-feira à tarde, como habitualmente faziam. Isso deixou a
guarnição do Vesper intrigada, sem entender como podia uma guarnição
dissolver-se antes de uma batalha tão importante.
Em
10 de julho de 1965, Ratzeburg e Vesper alinharam mais uma vez, só que agora no
Küchensee, para a “negra”. Ratzeburg saiu muito forte e, em 10 remadas, já
tinha meio barco de vantagem. Foi ampliando a diferença e cruzou os 1.000 m um
barco à frente. No segundo quilômetro, os americanos remaram muito, descontaram
bastante, mas os alemães foram mais resistentes e venceram por 1 s.
A
“pá de cal” foi jogada um mês depois, no Campeonato Europeu, realizado em
Duisburg, Alemanha, entre 26 e 29 de agosto. Mas não sem drama. Nove países
disputavam o oito, sendo que a União Soviética estreava uma guarnição
fortíssima e promissora. Por ironia do destino, Estados Unidos e Alemanha
caíram na mesma chave eliminatória. Após uma luta feroz, os campeões olímpicos
prevaleceram, jogando os alemães na repescagem, na qual triunfaram facilmente.
Os soviéticos venceram a outra eliminatória.
A
final reuniu um público de 30 mil pessoas. Todos queriam ver o tira-teima, que
já se tornara uma paixão nacional. A União Soviética largou velozmente, assumiu
uma liderança frágil, nunca maior que um castelo de proa, sempre seguida pela
Alemanha. No que os anais da FISA descreveram como “um esforço titânico”, o
voga alemão, Klaus Aeffke, comandou uma levantada fulminante nas últimas
remadas, pondo sua guarnição 1,14 s à frente do adversário, deixando os
soviéticos com a medalha de prata. Os Estados Unidos chegaram em terceiro, sem
jamais ameaçar tomar as duas primeiras posições. Ratzeburg liquidara de vez o
seu mais difícil adversário.
A
derrota em Tóquio estava vingada. E os Estados Unidos chegariam ao fim do
milênio sem nunca mais ganhar o oito numa Olimpíada.
No
final de 1965, Allen Rosemberg, técnico-chefe da equipe norte-americana,
comentando os confrontos daquele ano contra Ratzeburg, reconheceu que, embora
as duas guarnições fossem equivalentes, a de Ratzeburg era mais “macho” na hora
de decidir.
CONHECENDO
KARL ADAM
Em
1966, logo que fui convocado para disputar os Jogos Luso-Brasileiros em
Portugal, resolvi que aproveitaria a viagem para visitar outros países europeus,
para aprender mais sobre remo. Meu objetivo principal, porém, era encontrar-me
com Karl Adam e por isso planejei assistir o Campeonato Alemão ocidental, que
seria realizado em Hannover, onde Adam e seu famoso oito com certeza estariam.
Preparei-me
bastante para esta viagem. Melhorei meus conhecimentos da língua inglesa tanto
quanto pude e conversei com várias pessoas para saber que perguntas gostariam
de fazer para Adam. Assim, fiz uma pauta com mais de 50 perguntas. Queria
extrair dele tudo que fosse possível.
Assistir
o Campeonato Alemão foi uma experiência inesquecível. Primeiro, foi meu espanto
com o porte físico das pessoas que estavam assistindo a regata. Era todo mundo
de 1,90 m para cima. Segundo, era a força com que as guarnições remavam e a
ênfase no trabalho de pernas. Pareciam querer quebrar os remos e os finca-pés
em cada remada. Terceiro, nenhum remador caía à ré.
Ora,isso no Brasil era
considerado blasfêmia. Pois bem: lá, ninguém caía à ré.
A
postura dos remadores no barco era, portanto, muito diferente da que estávamos
acostumados a ver. Enquanto nós, brasileiros, procurávamos remar bonito, os
alemães remavam como máquinas, sem se importar se isso era bonito ou feio. O
que contava, primordialmente, era a força na água, feita em conjunto, do modo
certo. Como dizia o próprio Adam, “o importante é a unidade dinâmica do
conjunto”. Um exemplo desse contraste na forma de avaliar a remada foi dado por
Buck, ex-técnico do Flamengo. Em 1967, ele viu pela primeira vez o oito de
Ratzeburg durante a Regata de Lucerna.”Não gostei”, comentou ele, “me pareceu
mal remado.”
Na
véspera da final, o oito de Ratzeburg treinou normalmente: uma hora e meia de
Intervall-Training, executando saídas e “piques” que duravam de 15 a 60
segundos, com voga altíssima e força total. No dia seguinte, venceu mais um
campeonato alemão, impondo 14 s sobre seu mais forte adversário – o que lhe
garantiu uma reportagem de duas páginas no jornal Bild am Sonntag.
Depois
da prova eu caminhava pelas margens do Machsee, no meio do público, quando
deparei com um senhor de estatura mediana, na faixa dos 50 anos, usando
jaqueta, boné e óculos escuros. Aquela figura era-me familiar. Há muito tempo
eu a conhecia de fotos: Karl Adam. Fui até ele e me apresentei: “Sou remador
brasileiro, escrevo para o jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, e vim à
Alemanha especialmente para entrevistá-lo.” Senti que ele gostou de ouvir isso.
Pedi-lhe que marcasse hora e local para conversarmos. Ele, muito gentilmente,
convidou-me para jantar no seu hotel, às 8 da noite. Adam não estava hospedado
no mesmo lugar que seus remadores. O técnico tinha total confiança em seus
atletas, por isso deixava-os à vontade, com a única recomendação de que fossem
deitar uma hora mais tarde do que habitualmente faziam. “Assim eles caem na
cama e dormem logo, sem ficar pensando no que vai acontecer amanhã,” explicou.
Às
8 horas em ponto, lá estava eu. Adam surgiu instantes depois, em companhia de
seu assistente técnico, Manfred Rullfs, voga do oito campeão europeu (1959) e
olímpico (1960), além de campeão europeu no quatro sem (1958) e nove vezes
campeão alemão.
Mal
sentamos no restaurante, não perdi tempo: puxei a minha lista com mais de 50
perguntas. Quando eles a viram, arregalaram os olhos, admirados com o tamanho
da mesma. Sabendo que uma resposta gera outras perguntas, comentaram, entre
sorrisos, que pelo visto teriam que passar a noite ali, para responder tudo
aquilo. Mas, com muita boa-vontade, colocaram-se à disposição. Para não perder
uma só palavra do que diziam, dispensei o jantar, pois naquele tempo não havia
micro-gravador e era preciso anotar tudo. Então, durante duas horas e meia,
entre uma cerveja e outra, fui ouvindo aquelas respostas tão esperadas,
imaginando a cara do pessoal do meu clube (na época, o Botafogo F.R.) se
soubessem com quem eu estava e o que fazia, naquele momento.
As
respostas de Adam e Rullfs ajudaram-me a produzir quatro grandes matérias,
publicadas em 24/8, 31/8, 9/9 e 2/10/66, no Correio da Manhã, um dos jornais
mais conceituados do Brasil na época. A última dessas matérias foi o máximo:
ocupou sozinha toda a primeira página do segundo caderno. Um fato histórico
para o remo.
Não
deixei de mandar cópia das mesmas para Adam, nem ele esqueceu a gentileza. No
ano seguinte, um mês antes que o oito de Ratzeburg viesse ao Brasil, ele
enviou-me um artigo inédito, que publiquei na edição de 22/10/67.
O
FIM DE UMA ERA
Durante
os anos 60, muitas nações, especialmente aquelas da Cortina de Ferro, passaram
a tratar o esporte como assunto de Estado, importante demais para ser deixado à
própria sorte. O esporte passou a ser usado intensamente como instrumento de
propaganda política sendo seus resultados exibidos como fruto de um sistema
econômico-político vitorioso.
Até
1965, a Alemanha, embora dividida politicamente, vinha participando dos
campeonatos internacionais com uma só equipe, mas nos mundiais (masculino e
feminino) de 1966, isso acabou. A Alemanha Oriental compareceu com suas
próprias guarnições. Este fato foi um divisor de águas na história do remo
mundial. O esporte alemão passou a ser mais bem representado pela sua porção
oriental, graças à política esportiva que vinha sendo desenvolvida por seus
governantes e às providências tomadas na sua esteira: seleção de talentos,
padronização de técnica e de treinamento, além de apoio material e científico
em larga escala para os atletas.
Em
1966, a Alemanha Oriental conseguiu 3 medalhas de ouro e 2 de bronze, contra 1
de ouro e 1 de bronze da Alemanha Ocidental. No ano seguinte, essa relação foi
de 2 de ouro e 3 de prata contra 1 de ouro para os ocidentais. E na Olimpíada
do México, foi de 2 de ouro e 1 de prata os orientais, contra 1 de ouro e 1 de
prata para os ocidentais. As 3 medalhas de ouro da Alemanha Ocidental foram
garantidas pelo oito de Karl Adam.
Este
quadro de medalhas tanto evidenciava que – ignoradas as diferenças políticas -
o remo alemão continuava sendo o mais forte do mundo, como, também,que os
melhores remadores tinham ficado do lado oriental. Isso significava uma redução
dramática no número de remadores à disposição de Adam e nas possibilidades de
formar guarnições altamente competitivas.
A
partir de 1968, outros fatos se conjugaram contra o grande treinador. Adam era
muito emocional, envolvia-se demais com tudo que acontecia ao seu redor. Tinha
muita empatia com os remadores. Além disso, era um tipo teimoso, obstinado, e
por isso fazia inimigos. Tudo isso lhe custava muita energia. Em conseqüência,
sua saúde foi debilitando-se .
Por
outro lado, a Olimpíada do México tinha marcado o fim de uma geração de grandes
remadores alemães ocidentais. Era preciso reconstruir toda uma equipe, mas já
não havia grandes remadores em número suficiente no país e Adam não podia mais
contar com seus compatriotas do outro lado do Muro. As formas de treinamento
também estavam mudando, do trabalho intervalado para as grandes quilometragens,
que consumiam mais tempo de treino. E a Alemanha Ocidental não tinha como
submeter seus remadores ao esquema de vida e de treinamento de seus irmãos
orientais.
A
saúde debilitada levou Adam a entregar gradualmente o treinamento do oito para
Manfred Rullfs. Em 1969, o oito, treinado por Rullfs, foi 3º colocado no
campeonato europeu, 2,14 s atrás do vencedor – Alemanha Oriental – e 0,14 s
atrás da União Soviética.
Quando
o encontramos pela segunda vez, em 1970, durante o campeonato mundial realizado
em Saint Catharines, Canadá, Adam estava muito magro e envelhecido. Tinha um ar
cansado. Em nada lembrava o ex-campeão mundial universitário de boxe que
havíamos conhecido quatro anos antes. Naquela ocasião, o oito alemão ocidental
terminou em 4º lugar, enquanto o da Alemanha Oriental ficou com o ouro. Entre
1971 e 1974, suas colocações variaram sempre entre 5º e 6º lugar, apesar de
todo o seu empenho, em 1972, para dar um oito campeão à Alemanha, sede da
Olimpíada.
Em
1974, Adam sofreu seu primeiro infarto. No ano seguinte, seu oito não chegou às
finais. E em 18/6/76, quando fazia sua corrida habitual, um segundo e
definitivo infarto tirou-lhe a vida.
A
TÉCNICA ADAM
Adam
rejeitou os métodos de treinamento então em uso, os quais considerava
ultrapassados. Suas teorias revolucionárias abrangeram tanto o atleta quanto o
equipamento. Desenvolveu sua técnica de remada baseada no seguinte princípio:
máxima ênfase no trabalho de pernas, sobre uma distância maior. As pernas devem
realizar tanto trabalho quanto for fisicamente possível.
Para
usar as pernas sobre uma distância maior do que era usual na época, Adam
aumentou o comprimento do trilho de 65 cm para até 83 cm. Para facilitar o uso
total de um trilho tão comprido, inclinou-o de 1 a 3 cm em direção à ré do
barco e o remador acelerava progressivamente o carrinho quando ia à proa. Desse
modo, o remador podia fechar bem o ângulo dos joelhos quando chegasse na proa,
quase encostando o carrinho nos calcanhares. Esse recurso tanto facilitava a
chegada à frente como aproveitava a capacidade reativa dos músculos da coxa e
os efeitos da 3ª Lei de Newton sobre a velocidade do barco.
O
trilho assim instalado tinha mais uma vantagem: o ponto onde o remador puxava o
remo, no final, ficava 1 a 3 cm mais alto do que ficaria se o trilho estivesse
na horizontal. Isso significava que a pá estaria mais funda, no fim da remada.
Nessa
posição bem à proa, os joelhos do remador, por estarem bem elevados,
impediam-no de inclinar o tronco à frente e a remada começava com o tronco
praticamente na vertical e os braços bem estendidos e travados. Como, nessa
posição, a remada poderia ficar curta, Adam avançou os trilhos 5 cm além da
linha do pino da forqueta. Para poder fazer isso com facilidade, adotou trilhos
montados sobre calhas (tal como são hoje), em lugar dos trilhos fixos
aparafusados na bancada. Do ponto de vista mecânico, o avanço dos trilhos em 5
cm distribuía igualmente a pressão da remada por toda a braçadeira, reduzindo
as possibilidades de deformação das mesmas, no momento do esforço.
No
ataque, pernas e tronco trabalhavam simultaneamente, sendo que a maior parte do
balanço do tronco ocorria logo na primeira metade da passagem. Quanto antes os ombros
ficassem atrás do carrinho (posição de “cabo de guerra”) melhor.
Devido
à grande flexão das pernas na proa e à posição de “cabo de guerra” do tronco,
os joelhos ainda estavam num ângulo de 90° no meio da remada, no momento em o
remo atingia a posição perpendicular ao barco. Os carrinhos tinham usado apenas
parte do comprimento dos trilhos. Esse ângulo dos joelhos, somado à posição de
“cabo de guerra” assumida pelo tronco, davam ao corpo uma posição muito forte
no meio da remada, possibilitando o máximo aproveitamento da faixa de 70° –
110° da remada (a zona onde praticamente 100% do esforço é usado para propelir
o barco). Esta era a chamada “remada núcleo” (kernschlage), marca registrada da
técnica Adam.
O
empurrão de pernas perdurava do ataque ao final. Os braços entravam em ação
somente na última parte da remada e terminavam seu trabalho junto com o das
pernas. No final, a queda do tronco à ré era mínima, passando ligeiramente da
vertical, permitindo assim vogas mais altas, já que não se gastava tempo com a
recuperação do tronco. Seus oitos remavam a 40 remadas por minuto, numa época
em que 36 era considerada a voga ideal para esse barco.
MAIS
INOVAÇÕES
Como
tal técnica exigia pernas muito fortes e flexibilidade nos tornozelos, Adam
iniciou os remadores no treinamento de força (“Peso deixa forte, é só
levantar”, dizia), o que até então era inusitado. Seus exercícios preferidos
eram o arranco, épaulé, agachamento (dorsal ou frontal) ou leg-press e remada
deitada. Quanto à flexibilidade nos tornozelos, foi resolvida substituindo-se
as antigas sapatas fixas de madeira onde os pés eram presos por correias, por
tênis aparafusados numa base fixada aos finca-pés, tal como é hoje.
O
comprimento dos remos também foi aumentado dos 3,75 m usuais naquela época até chegar
a 3,83 m. Esses remos mais longos, conjugados com distâncias de pino a centro
maiores, era mais um detalhe da “remada núcleo”, que permitia concentrar a
remada na faixa dos 70° – 110°. Adam inovou ainda no desenho da pá. Em 1959,
apresentou ao mundo uma pá mais curta e mais larga que a usual, por ocasião do
campeonato europeu, realizado em Macon (França). Essa pá, que ficou conhecida
como Macon, reinou absoluta por 30 anos, até o surgimento da big blade.
Junto
com Wilhelm Karlish, proprietário do conhecido estaleiro alemão, fez várias
experiências visando aperfeiçoar a forma dos barcos e sua construção. Numa
época em que os oitos fabricados na Alemanha chegavam a ter mais de 20 m de
comprimento, Adam passou a usar barcos de 17,50 m, de resposta mais rápida à
remada mais curta e às vogas altas que usava.
Na
Olimpíada de 1968, ele apareceu no México com um oito 28 kg mais leve que os
dos concorrentes e, na de 1972, com dois modelos ainda mais revolucionários. Em
Munique, sua guarnição competiu com um barco especial feito com materiais
compostos, construído pela Empacher (o primeiro do gênero feito por este
fabricante) e que pesava apenas 105 kg, inacreditável para a época. Mas na
prateleira ficou outro muito mais avançado, conhecido como “casco de vidro”.
Projetado por Luigi Colani, um renomado designer berlinense, autor de
arrojadíssimos projetos de aviões, carros e barcos, foi construído com apoio da
industria aeroespacial alemã. Pesava incríveis 75 kg. Seu casco, também de
materiais compostos, era branco, de um opaco translúcido, parecendo uma
escultura Lallique. Tinha a espessura quase que de uma folha de papel. Sua
estrutura, toda em titânio, tinha partes que atravessavam o casco,
projetando-se para fora do barco e formando as braçadeiras. Ironicamente, a
guarnição não o usou na Olimpíada porque não se sentia confortável nele.
Atualmente, o barco está exposto no River & Rowing Museum, em Henley,
Inglaterra, e classificado entre suas dez maiores atrações.
O
CAMINHO DAS MEDALHAS
Adam
revolucionou ainda o treinamento, ao formar o oito com base em eliminatórias no
skiff e ao colocar remadores de barcos grandes para treinar em skiff e dois
sem, barcos que considerava “os melhores professores de técnica”. Adotou esses
recursos porque acreditava que “quem faz um skiff ou dois sem andar fará o
mesmo com qualquer outro barco”. Sessenta por cento do treinamento era feito
nesses barcos, o que lhe permitia individualizar o treinamento. Além disso,
seus remadores moravam em cidades diferentes e só podiam treinar em conjunto
nos finais de semana. Logo o mundo despertou para as vantagens desse método, a
ponto de ser adotado até hoje, sem questionamentos.
Um
dos pontos mais altos da revolução feita por Karl Adam foi adaptar ao remo o
Intervall – Training, desenvolvido por seu compatriota Woldemar Gerschler. Essa
providência, mais o treinamento com pesos, mudou a face do remo internacional.
Suas séries de 6-8 tiros de 560 m, ou de 4 tiros de 1.000 m correram o mundo,
ficando comprovado que elas tinham um altíssimo grau de correlação com o
resultado em 2.000 m. Embora Adam recomendasse tiros entre 500 e 600 m, ele
usava 560 m, para que uma saída boa ou ruim não influenciasse o tempo em 500 m.
Portanto, o barco entrava nos 500 m “lançado”, ou seja, já em velocidade.
O
treinamento aeróbico também foi aperfeiçoado. Sem ter à disposição remadores em
tempo integral que pudessem realizar longas quilometragens, como começava a
acontecer na vizinha Alemanha Oriental (alguns chegavam a fazer 70 km diários)
e para evitar a monotonia desse tipo de trabalho, Adam partiu para formas de
trabalho intensas, em vez de extensas. Um das formas de treino, por exemplo,
consistia em remar com muita força numa voga 6 – 8 remadas abaixo da usada em
competição, dando um pique de 20 remadas no ritmo da prova a cada 6 ou 5 – 4 –
3 – 2 minutos. Outra forma era trocar de ritmo, de 12 para 34 remadas/minuto,
com muita força, a cada 1 ou 2 – 3 – 4 – 5 minutos. Outra ainda era remar 4 x 7
minutos (duração escolhida em função do tempo médio em 2.000 m, na época), ou
remar um trecho de 10 km, com voga para provas de longa distância (algumas
remadas abaixo da voga usada em 2.000 m).
Se
considerarmos que, nos dias atuais, a ciência aponta as vantagens dos treinos
aeróbicos intensivos sobre os extensivos, podemos concluir que, 30 anos atrás,
Adam já vislumbrava o futuro.
Adam
foi ainda o primeiro técnico de remo a levar uma seleção nacional para fazer
treinamento em altitude e com rigoroso acompanhamento científico. Dois anos
antes da Olimpíada do México, o oito de Ratzeburg já treinava em Silvretta -
Stausee (Áustria), situada a 2.045 m . As experiências dessa época estão
fartamente documentadas no livro Rudertraining.
Ele
foi também um pioneiro no acompanhamento fisiológico de remadores em
laboratório, ao lado do médico Paul Nowacki. Ambos publicaram dezenas de
artigos sobre Fisiologia do Exercício aplicada ao remo, além de adaptarem e
desenvolverem diversos protocolos de testes. Karl Adam conhecia seus remadores
por dentro e por fora.
Adam
promoveu a maior revolução que o remo mundial já conheceu. As guarnições sob
seu comando conquistaram 29 medalhas olímpicas e mundiais, uma dúzia de
Campeonatos Europeus (que valiam como mundiais, na época) e um grande número de
Campeonatos Alemães em praticamente todos os barcos.
Adam
colocou a minúscula Ratzeburg no mapa do mundo e a transformou em sinônimo de
remo campeão.
MUDANDO
PARA MOTIVAR
Mas
não foi só no aspecto físico e técnico que ele fez uma revolução. Ele sabia
como levar uma guarnição a dar o máximo também do ponto de vista psicológico.
Por exemplo: em 1959, ele treinava um dois-sem cujos remadores, Ingo Kliefoth e
Bernd Kruse, tinham 19 anos de idade e pesavam apenas 73 kg. Preparava-os para
disputar o campeonato europeu. Porém, ambos estavam totalmente desmotivados. Quando
um deles estava sozinho com Adam, queixava-se do companheiro. Quando estavam
juntos, ambos queixavam-se do treinador. Nos treinos, só iam bem até o primeiro
“tiro”, depois se desestruturavam. Viviam irritados e desafiadores.
Adam
concluiu que participar do campeonato europeu estava fora de questão para eles,
e como tudo parecia já estar perdido mesmo, resolveu fazer uma experiência
drástica: designou-os para transportar os barcos alemães que iriam participar
do campeonato. Meteu-os num velho microônibus, de onde foram retirados os
bancos traseiros para dar espaço a colchões. Em companhia de dois ajudantes,
revezaram-se na direção por quase 2.000 km sem parar. Enquanto dois tiravam uma
soneca, os outros tocavam o velho carro, cuja velocidade máxima era de 60 km/h,
somente atingida nas descidas. Durante dois dias e meio, eles se arrastaram
pela estrada. Adam acreditava que a melhor forma de recreação era fazer uma
coisa diferente. E não deu outra. Quando o dois sem voltou aos treinos, seus
problemas psicológicos estavam resolvidos. Segundo os registros da FISA, eles
venceram o campeonato europeu com uma atuação brilhante, “travando uma
magnífica batalha contra a guarnição soviética, onde a liderança mudou de mãos
o tempo todo.’’ Comentando esta prova anos depois, Adam disse que eles chegaram
perto do seu melhor desempenho mais do que qualquer outra guarnição que ele já
tinha treinado.
Três
anos depois, Kliefoth e Kruse fizeram parte do oito, sagrando-se campeões
mundiais em 1962 e europeus em 1963.
UM
TREINADOR ÍDOLO
Adam
cultivava o estilo democrático. Os objetivos, planos de treinamento e táticas
de corrida eram discutidos com os remadores e fruto do consenso. Afinal, que
adiantaria obrigá-los a fazer algo de que discordavam?
Seu
modo de agir influenciava forte e positivamente seus atletas, que ainda hoje o
idolatram e reverenciam sua memória. Horst Meyer, que integrou o oito de 1962 a
1968, conquistando nesse período 7 medalhas de ouro e 1 de prata, escreveu
certa vez: “Karl Adam foi muito copiado, mas nem sempre entendido. Não apenas
seus métodos de treinamento contavam, mas eram principalmente sua capacidade
pedagógica, responsabilidade e independência que marcavam os jovens. Ele
sentia-se satisfeito e orgulhoso quando via seus atletas ou seus alunos
transferirem para suas vidas as qualidades adquiridas no remo.”
Em
um artigo publicado na revista Olympische Feuer (Fogo Olímpico), em 1992,
Karl-Heinrich von Groddeck, um de seus remadores mais exponenciais (também 7
medalhas de ouro e 1 de prata em mundiais e Olimpíadas) e atualmente jornalista
esportivo, referiu-se a Adam “como uma benção para o remo, maior do que se
imagina. Para seus remadores, ele foi técnico, professor, conselheiro e
incentivador. Foi também o teórico, o critico, o filósofo, o escritor, um
verdadeiro intelectual, mas sempre acessível. Um modelo de homem que muitos
jovens idealizam”. E concluiu: “Por mais de vinte anos seus atletas não remaram
só pela Alemanha, ou só por Ratzeburg. Remaram também por Karl Adam e suas
idéias”.
Volker
Nolte, campeão mundial de seniores B em 1972 (dois com) e 1976 (four-skiff),
medalha de bronze no mundial de juniores em 1970 (double) e durante vários anos
técnico das guarnições peso-leve medalhistas do Canadá, participou de seleções
alemãs orientadas por Adam, embora nunca tenha sido treinado por ele. Ao
colhermos informações com ele para preparar este trabalho, assim Nolte se
expressou sobre Karl Adam: “Ele tinha grande carisma e era muito inteligente.
Sua concepção da Academia de Remo de Ratzeburg era fantástica. Até hoje as
pessoas não a apreenderam bem. Gosto de gente como Adam. Elas pensam muito além
do mundo restrito do esporte. São sonhadoras e idealistas. Desejaria que
houvesse mais gente como ele.”
COMPARTILHANDO
O CONHECIMENTO
Adam
imaginava um local onde a pesquisa, o aperfeiçoamento dos técnicos e o
treinamento coabitassem: uma Academia de Remo. Nesse local, ele faria pesquisas
sobre barcos, treinamento e atletas. Publicaria os resultados em artigos e
livros, tornando os novos conhecimentos disponíveis para todos. Haveria cursos
para treinadores e clínicas. A cada manhã, antes do treino, teria uma aula
teórica para explicar aspectos do treinamento aos atletas, e aspectos
pedagógicos para os técnicos. Os atletas seriam educados simultaneamente com o
treinamento. O objetivo de Adam era treinar o atleta para que ele não
precisasse de técnico. “Treine o atleta para treinar-se a si mesmo”, era sua
máxima.
Karl
Adam nunca escondeu seus métodos de trabalho, pelo contrário, sempre os
compartilhou com quem estivesse interessado. À medida que a saúde debilitada o
afastava do treinamento, sua produção intelectual aumentava.Publicou quatro
livros: Modernes Krafttraining im Sports, Leistungsport: Sinn und Unsinn,
Leistungsport als Denkmodell e uma das bíblias do remo moderno, Rudertraining,
indispensável na estante de qualquer estudioso.
A
bibliografia de Adam contém ainda mais de duzentos artigos sobre remo,
pedagogia, sociologia e filosofia, além de outros sobre o esporte em geral. Ele
tornou-se referência mundial no meio esportivo. Rara era a edição da
Rudersport, a revista da Federação Alemã de Remo, que não trouxesse algo
escrito por ele.
Quando
lhe perguntavam se não temia ser derrotado com suas próprias armas (pois não
fazia segredo de seus métodos), dizia: “Quando todos os competidores forem
bons, as coisas ficarão mais excitantes. A tática então passará a ser
valorizada. E quando todos dominarem os métodos certos de treinamento, o mais
importante será a identificação dos talentos”.
RECONHECIMENTO
Nas
palavras do ex-presidente da Federação Alemã de Remo, dr. Walter Wülfing, “Karl
Adam foi não somente o melhor treinador de remo alemão, mas provavelmente o
maior treinador de toda a Alemanha”. Seu nome é citado como um dos grandes que
revolucionaram o esporte daquele país, como Woldemar Gerschler, pai do
Intervall-Training, Josef Herberger, do futebol, ou Gustav Rau, do hipismo. Sua
técnica continua viva, especialmente entre os remadores de palamenta dupla.
Basta rever as finais dos Campeonatos Mundiais e Olimpíadas, do período 1996 –
2000. Hoje, trilhos de 85 cm são usados até por mulheres e com avanços de até
15 cm em relação ao pino da forqueta.
Karl
Adam recebeu importantes homenagens, em vida. Em 1962, foi agraciado com o
título de Cidadão de Ratzeburg. Em 1963, após seu oito vencer as cinco regatas
de que participou nos Estados Unidos, foi recebido pelo presidente John F.
Kennedy nos jardins da Casa Branca. Em plena época de Guerra Fria, Kennedy
exclamou, ao cumprimentá-lo: “Você acabou com os russos”, referindo-se às
sucessivas derrotas que Adam impunha ao poderoso oito soviético, “isso é
fabuloso!”
Em
1972, o governo alemão concedeu-lhe a Cruz do Mérito da República Federal da
Alemanha. Nesse mesmo ano, a Universidade de Karlsruhe outorgou-lhe o titulo de
Doutor Honoris Causa. Com certeza, ele foi um dos raríssimos treinadores, senão
o único, a receber tal honraria universitária, no mundo. Em 1976, foi eleito
Membro Honorário da Federação Alemã de Remo. A Lauenburgischen Gelehrtenschule,
onde ele começou sua vitoriosa carreira de técnico de remo, homenageou-o com um
busto, no seu ginásio de esportes.
A
Ruderakademie Ratzeburg (Academia de Remo de Ratzeburg) , que Karl Adam criou
em 1966 e dirigiu até sua morte, dez anos depois, influenciou fortemente o remo
internacional. Nenhum país ficou imune ao que ali se fazia. Por seus portões
passaram e passam, até hoje, treinadores e equipes de várias partes do globo,
em busca de aperfeiçoamento. A Academia continua sendo um dos grandes templos
do conhecimento do remo mundial. Dali flui toda a orientação para as sempre
poderosas guarnições alemãs.
Nos
seus jardins, um busto em bronze do maior treinador que o remo já conheceu
guarda esse local tão respeitado, fruto da sua visão, grande cultura e espírito
arrojado.
KARL ADAM
5/2/1912 – 18/6/1976
5/2/1912 – 18/6/1976