Hoje é um técnico conceitoado nos EUA sendo um homem com um enorme senso prático.
Um pouco de História:
Em 1996, como técnico-auxiliar, o oito por ele treinado venceu a Nations Cup e
o seu quatro-sem peso-leve ganhou o bronze nos Jogos de Atlanta.
A sua estreia
como técnico da seleção masculina de palamenta simples dos Estados Unidos foi
arrasadora, com três títulos mundiais seguidos no oito (1997-98-99).
Teti é uma lenda do remo
nos Estados Unidos.
Como remador, foi campeão mundial de oito em 1987,
conquistando ainda o bronze no Mundial de 1985 e na Olimpíada de Seul (1988),
além de 24 títulos nacionais.
No décimo aniversário do título mundial, a
equipa reuniu-se para disputar, e vencer, a regata Head of the Charles na sua faixa etária. Desde então, o encontro anual virou uma tradição, bem como as
vitórias.
Aos 59 anos – nasceu em 20 de setembro de 1956 – Teti mantém-se com
forma física de campeão.
Ainda treina diariamente com grande intensidade: "Quando estou bem, faço 6min10s em 2.000 m no ergômetro. Quando estou
mal, fico só em 6min20s", conta o campeão.
Como atleta, Teti tem a fama
de "nunca entregar, ir até a morte". E é esta característica que ele
mais procura nos seus remadores: a capacidade de lutar estoicamente pela
medalha.
Acima até do refinamento técnico, ele garimpa homens destemidos,
motivados, capazes de imensuráveis sacrifícios para chegar ao degrau mais alto
do pódio.
Os seus métodos de seleção provocam
polêmica. Mais do que os números no ergômetro, ele avalia o empenho do
atleta para chegar àquele resultado.
Uma vez, o técnico de uma universidade
enviou-lhe o seu melhor remador para tentar uma vaga na seleção. O rapaz fez 6min3s, resultado excelente para uma pré-seleção, mas não para Teti. Na sua
opinião, com mais empenho, o candidato "poderia ter rendido mais".
Criticado por alguns pelos
seus métodos de seleção, mas aclamado pela maioria, os seus três campeonatos
mundiais seguidos no oito são um cartão de visita incontestável, que
valeram-lhe três títulos também consecutivos de Técnico Masculino de Remo do
Ano concedidos pela US Rowing.
Antes de chegar à seleção, Teti acumulou seis
títulos regionais em sete temporadas pela Temple University, onde se iniciou em
1982, mais cinco títulos nacionais na categoria estreante pela Universidade de
Princeton, que o contratou em 1989.
Porém, como ninguém está
imune a erros, e ele admite isto, há situações em que a decisão passa por momentos
nebulosos.
Foi assim nos Jogos Olímpicos de Sydney. O oito masculino dos EUA
era o favorito à medalha de ouro.
Semanas antes da Olimpíada, o proa
sofreu uma lesão nas costas. Bastaria um tratamento de alguns dias e ele
estaria bom novamente.
Mas Teti substitui-o definitivamente por outro atleta.
No entender da equipa, o barco piorou um pouco com a modificação.
Todavia,
para o técnico, o substituto era mais aguerrido, embora inferior tecnicamente.
Teti apostou erradamente, na opinião de alguns. O oito favorito ficou em quinto
lugar.
Impossível saber se o resultado seria diferente tivesse ele mantido o
atleta original.
Alguns dados/perguntas feitas a Teti:
Como vai o trabalho para
as futuras competiçoes?
Temos a sorte de possuir um
remo universitário altamente competitivo. Isto garante um fluxo constante de
novos talentos. Como prova disto, fomos medalhistas nos quatro últimos mundiais
sub-23.
Isto indica renovação.
A maioria dos remadores para ou resolve descansar em após um periodo longo de competiçoes.
Mas temos gente nova para tomar o
lugar deles.
Para o Rio 2016, neste momento, acredito que teremos um oito, um quatro-sem e um
four-skiff competitivos. Possivelmente também um bom quatro-sem peso-leve.
Quantos remadores transitam do anterior grupo?
Dois do oito, três do quatro-sem também continuam.
O dois-sem medalhado está de volta,
mas não treina comigo. Selecionei sete novos remadores universitários para o
oito.
Os mais experientes devem ir para os barcos menores.
Aqui, o oito é uma opção natural
para os mais jovens, porque estão acostumados com ele.
É o barco mais usado em
competições universitárias e escolares. Aliás, eles nem querem remar em barcos
menores. É uma coisa cultural. Acostumaram-se com o espírito de equipe e a
camaradagem.
Só com o tempo faço a transição para os barcos menores.
Por que a decisão de criar
um centro de treinamento na garagem da Universidade de Princeton, em vez de
usar os centros olímpicos, como Chula Vista?
Por várias razões. Primeiro,
porque o Lago Carnegie oferece água calma o ano todo. A estrutura de apoio da
universidade é fabulosa.
Segundo, todos os nossos atletas ou
estudam ou trabalham em tempo integral. E a região de Princeton é excelente
para obter bons empregos, porque as grandes empresas têm a sua sede aqui. A
maioria dos nossos remadores está empregada nelas, com a vantagem de ficarem
localizadas num raio de 10-15 min das nossas instalaçoes de treino.
É preciso entender que a
nossa maior competição não vem dos alemães, ingleses ou romenos, mas de Wall
Street, das universidades e das grandes corporações.
Chula Vista oferece
excelentes acomodações e condições de treino, mas não há bons empregos na redondeza.
Todos os nossos atletas tem um ou dois diplomas universitários. Depois de tanto
empenho acadêmico, eles querem iniciar a sua vida profissional, usar aquilo que
estudaram.
Então procuramos criar um equilíbrio, em que eles possam trabalhar e
remar. Por causa disto, com toda a sinceridade, duvido que haja algum país onde
o remo é levado a sério que treine menos do que nós.
No inverno e no início da
primavera, realizamos um total de cinco a sete treinos por semana.
Depois
passamos para nove a dez. Nunca, e eu friso nunca, remamos mais do que 90 min.
Vamos para a água às 7 h e encostamos às 8h30min, porque todos trabalham das 9
h às 17 h. Às 18 h iniciamos uma segunda sessão, que vai até às 19h15min.
De novembro até fevereiro, o
lago está congelado.
Portanto, durante quatro meses remamos só no ergômetro e no
tanque.
Trabalhamos também com halteres, mas pouco.
Considero o treinamento com
halteres muito importante, mas temos outras prioridades.
Os nossos atletas, de um
modo geral, são fortes, altamente motivados, dedicados, mas deficientes
tecnicamente.
Então precisamos investir todo o tempo disponível no
aperfeiçoamento técnico deles. No tanque, trabalhamos só a técnica; no ergômetro, o condicionamento específico.
Eu diria que, tipicamente, no inverno
realizamos dois treinos semanais no tanque e cinco no ergômetro.
Se os atletas trabalham ou
estudam em tempo integral e treinam, quando descansam?
Boa pergunta.
Alguns
descansam mais do que outros.
Uns são casados, portanto ainda têm compromissos
familiares, filhos...
Por isto é necessário equilibrar o plano de treinamentos.
Não posso apenas dizer: 'Este é o treinamento ideal'. Preciso sempre considerar
o fator fadiga pessoal extra-treino, seja da família, seja do emprego.
O voga
do anterior oito , por exemplo, iniciou uma firma de biotecnologia, abriu-a a
investidores, trabalhava 14 horas por dia e treinava para os jogos olimpicos.
Por
razões como esta, não posso escrever um plano de treinamento. Se noto que estão
cansados, até cancelo o treino.
Isto significa que o treino
é adaptado diariamente às condições gerais do grupo?
Exatamente. Os princípios
gerais do treinamento são aqueles que todos conhecem.
Na segunda-feira a
intensidade é baixa ou média; na terça, baixa ou média; na quarta, alta; na
quinta, média; na sexta, baixa; e no sábado, alta.
Basicamente, dois dias de
alta intensidade na semana.
O domingo é sempre livre,
porque eles precisam de um dia para fazer nada, estar com a família, descansar,
estudar, ficar longe dos compromissos, inclusive do remo.
Se eu aproveitasse o
domingo para treinar duas vezes e desse folga durante a semana, eles ainda
teriam o estresse de trabalhar ou estudar. Evidentemente, este método traz
sucessos e fracassos.
Muitos técnicos vem
perguntar-me qual a nossa metodologia de treinamento, qual a escola de remada
que seguimos, que regulagens usamos nos barcos.
Na realidade, nada
disto tem a ver com o nosso sucesso. O que fazemos aqui pode até nem dar
resultado em outros países, mas funciona para nós.
E com isto não quero dizer
que é o melhor. A beleza do remo está em atingir bons resultados com diferentes
metodologias.
Disto eu deduzo que a tarefa principal do técnico é a
identificação dos melhores talentos. Portanto, a minha função é encontrar os
melhores e criar atrativos para que interessem-se em remar pela equipe
nacional.
E como isto é feito?
Criando oportunidades de
bons empregos e dando tempo para gastarem com as suas famílias. É importante
para eles ter carreiras.
Para mim, era diferente. Eu estava feliz se pudesse
treinar três vezes por dia, porque tudo o que eu queria na vida era remar. Mas
nem todos são assim.
Por exemplo, o actual 7
do oito, foi o voga do oito peso-leve do Mundial.
Em 2015 , ele
deverá competir em pesos pesados. Graduado pela Universidade de Michigan, foi o
primeiro da turma e queria estudar Medicina. Então eu propus obter-lhe um
emprego de pesquisador em biotecnologia e adiar por alguns anos a Escola de
Medicina. Ele aceitou porque ama remar.
Porém, se eu lhe oferecesse apenas uma
vaga no barco, sem emprego, certamente ele não estaria aqui. E muitos outros
também são assim.
Quem obtém estes empregos
para os remadores?
Em primeiro lugar, eles estão
qualificados para tais empregos, porque são jovens brilhantes. Mas a comunidade
empresarial está acostumada a empregar atletas.
Por exemplo, eu conheço o
Michael Bloomberg, dono da Bloomberg Financial Services (e agora presidente da câmara eleito de New York), e um grande amigo dele.
Uma das pessoas com quem vou
jantar hoje é um conhecido neurocirurgião, que também possui muitas amizades
importantes. Também sou amigo do dono de uma financeira que orienta os
investimentos de grandes empresas. Nenhum deles remou!
É uma questão de ter
ligaçoes.
Quando chegam a Princeton para treinar, os atletas entregam-me os
seus currículos e eu aciono os meus contatos.
Aí eles orientam: 'Telefona para
o fulano, fala com o beltrano'.
Estes são empregos normais,
sem privilégios. Um atleta do oito olímpico trabalha na Dow Jones e
mora a 40 min daqui.
Portanto, contando com o trabalho, ele gasta mais de 90
min diariamente só em deslocamentos.
Esta é uma das razões porque não competimos
muito na Europa: nossos remadores trabalham. Como priorizamos o Mundial e os Jogos, eles tiram férias nesses períodos.
E como funciona a logística
do Centro de Treinamento de Princeton?
Olhemos para a Universidade de
Princeton.
A garagem é magnífica, tudo de primeira classe, barcos, remos e
material em profusão.
Agora olhem para mim, o técnico da seleção. Possuímos
apenas um oito e um dois-sem, ambos doados.
Todos os demais barcos são
emprestados da universidade e da Vespoli. Anualmente, a Concept II doa-nos dois
conjuntos completos de remos.
No fim do ano, vendemos os remos usados para
arrecadar fundos. Em quatro anos como técnico masculino nunca comprei um barco.
A turma da palamenta dupla comprou alguns.
De setembro a junho, eu
trabalhava sozinho com toda a equipe masculina de palamenta simples. Só recentemente passei a ter um assistente remunerado.
No verão, os técnicos universitários em
férias vêm aqui ajudar voluntariamente.
Então dividimos tarefas. O grupo que foi para os Jogos Pan-Americanos
ficou com outros técnicos. Os selecionados para o Mundial permaneceram comigo
aqui. Não pude ir para o Pan-Am porque tinha trabalho com a equipe principal em
Princeton.
Só no verão posso dizer: 'O
oito e o quatro-sem ficam aqui comigo. Fulano leva o dois-sem e o dois-com para
o Lago Mercer (onde a US Rowing mantém uma pequena garagem própria, próxima a
Princeton), beltrano fica com o oito e o quatro-sem peso-leve no Lago Mercer e
assim por diante'.
No resto do ano, estou quase sozinho com toda a equipe. A
solução é misturar os pesos-leves com os outros num mesmo barco e aplicar um
treino comum. Só defino as equpas titulares três semanas antes do embarque
para a regata.
Qual é o critério seletivo?
É um processo difícil para
nós, porque 60% dos atletas só vêm para cá nas férias de verão. No resto do
tempo treinam pelas suas universidades. Isto só nos permite três a quatro
semanas para definir a equipe.
O primeiro critério é oergômetro. Por quê? Porque qualquer clube ou universidade possui um.
Se o
atleta for capaz de confirmar 6min5s, ou menos, está convidado para a
pré-seleção. Isto indica que ele possui condicionamento físico. A nossa tarefa,
então, é aperfeiçoá-lo tecnicamente.
O segundo critério é o
entrosamento no barco. Formamos vários conjuntos e vamos testando as
combinações. Por exemplo, saímos em dois oitos lado-a-lado verificando o
andamento.
Então trocamos atletas entre os barcos e testamos para ver se houve
melhora, até chegarmos ao que nos parece a melhor formação. Não é uma ciência
exata, mas permite uma boa aproximação do ideal, especialmente quando não há
muito tempo.
Às vezes é mais empírico ainda. Para os ultimos mundiais, havia uma vaga no oito e dois candidatos de
igual nível. Perguntei a eles: 'O que eu faço?' A resposta foi: "Vamos
decidir no cara-ou-coroa". E assim foi feito.
Eu olho para um atleta que está
bem naquele momento e penso que, se eu tivesse mais um mês, ele seria
ultrapassado por outro. Mas tenho de levar quem está melhor naquele momento.
Quão importante no processo
seletivo é a atitude mental do remador?
É o fator mais importante!
Tenho uma regra pessoal: não utilizar atletas de alta manutenção. Isto é,
aqueles que num dia dói o ombro, no outro as costas, chegam atrasados, não
remam na chuva...
Vá a Princeton e observe. A equipe chega às 6h50min e às 7 h
o barco está na água remando. Saem da água às 8h30min, tomam banho em dez
minutos e vao embora. Não há conversas. Faz parte do esquema confiar no outro,
não atrasar e ter a atitude mental certa.
Acredito que é mais fácil
ensinar a um jovem disciplinado, motivado e valente a remar do que o contrário.
Vou às regatas universitárias e observo, pois facilita conhecer os atletas. Por
exemplo, o voga atual do oito é muito lutador. Ele tinha 77 kg e era o voga de
um oito sem talentos, quinto colocado no Campeonato Nacional Universitario. Mas olhei para
ele e sabia que era um homem com mentalidade de campeão.
Coloquei-o na voga do
meu oito e fomos medalha de ouro no Mundial Sub-23. E reparem que eu
não disse que ele é um excelente remador. Se continuar a remar, será.
Então a atitude mental de
campeão é o primeiro critério de seleção?
Quando localizo um
selecionável em potencial, a primeira coisa que faço é conversar com o técnico
para saber como ele é no dia-a-dia. Também procuro talentos no CRASH-B
(Campeonato Mundial de ergômetro, realizado anualmente em Boston) e
mantemos um programa nacional de testes mensais em ergômetro de novembro a
maio.
O teste pode ser em 6 km ou 2 km, tanto faz. O que eu quero ver é se o
remador é valente e está bem fisicamente.
Mesmo com homens motivados e
valentes, não ter participado das grandes regatas europeias num ano olímpico
não atrapalhou?
Nao. Como exemplo, em 1996, o
nosso quatro-sem peso-leve era o único barco na final que não havia ido à
Europa. Nenhum membro da guarnição sequer havia competido junto ou em alguma
regata internacional antes, nem estado na seleção nacional anteriormente. Foi a
primeira competição dos quatro juntos. Estrearam na Olimpíada e ganharam o
bronze. Todos os barcos dos EUA que foram à Europa tiveram resultados ruins.
Teria o quatro-sem peso-leve sido mais rápido se competisse antes na Europa?
Difícil dizer.
Com isto, não quero afirmar
que remar na Europa seja bom ou mau. Mas, em 2000, foi a primeira vez na
História que todos os nossos barcos masculinos de palamenta simples foram
finalistas olímpicos.
Exceto pelo oito, fomos muito bem, sem temporada
europeia.. Vejam só: da turma que treinou comigo em Princeton, o dois-sem
masculino foi prata e o dois-sem feminino bronze na Olimpíada. Os demais
chegaram à final em Sydney. No Mundial, vencemos o oito peso-leve, o quatro-com
e o dois-com. É algo inédito para nós.
Mas tenho uma convicção: se
não tivéssemos de levar um quatro-sem a Sydney, venceríamos o oito. Não pude ir
com a força máxima. Houve problemas de lesões nas últimas semanas, tive de
passar um remador do oito para o quatro-sem a fim de garantir a ida à final e
fui forçado a tomar outras duras decisões de última hora. E o balanço, ainda
assim, foi positivo. O quatro-sem remou junto alguns meses, eram todos novatos
e terminaram em quinto na Olimpíada.
Em 1995, treinei o
quatro-com campeão mundial sub-23. Eram dois garotos de 18 anos e dois de 19
anos, todos em sua primeira regata internacional. No ano seguinte, treinei o
quatro-sem peso-leve bronze em Atlanta. Em 1997 e 1998, o oito competiu pela
primeira vez junto na eliminatória do Mundial e fomos medalha de ouro. Em 1999,
vencemos novamente. Todos estes resultados foram obtidos sem competir na
Europa.
Porque chegamos em quinto em
Sydney, todos agora têm uma teoria sobre a derrota do oito. Durante cinco anos
fui considerado um gênio por ter conseguido resultados sem ir à Europa.
Quem conhece nossos atletas
sabe que são competidores aguerridos, puros-sangues. Não são atletas de treino,
são competidores que não temem competir. O que eles aprenderiam competindo na
Europa? Que os ingleses e os alemães são bons? Não precisamos viajar tanto para
ver se as minhas guarnições são boas ou não! Descubro aqui mesmo. Todas as
vezes que levei um barco a um Mundial ou Jogos, ele fez lá o mesmo tempo
que havia feito aqui em Princeton.
Eu adoraria ir à Europa e os
atletas também. Eles amam competir. Mas, se propusesse isto, cinco ou seis não
poderiam viajar por causa do trabalho. E as despesas? Para quem mora na Europa,
é fácil ir a Viena ou Lucerna. São apenas algumas horas de comboio ou carro.
Nas escolas e universidades,
os jovens aderem ao remo porque gostam da camaradagem, da diversão em grupo, do
espírito de equipe. Porém, se o padrão fosse remar 20 km pela manhã e outros 20
km à tarde só com voga lenta e fazendo força, seria muito aborrecido. Duvido
que tivéssemos as garagens cheias! Portanto, para nós, ir à Europa é uma
diversão, não uma necessidade.
Se remar 20 km com voga
lenta fazendo força é aborrecido, como a seleção treina longa distância?
Coloco outro barco ao lado,
para que remem com voga lenta competindo entre si. Também procuro adicionar variedade
aos treinos. Esta é outra razão porque não ponho um plano de treinamentos na
parede. Assim a turma vem com curiosidade: 'Qual é o menu para hoje?' Mas eles
sempre possuem uma ideia geral do que os espera.
Ao longo dos anos, o
fisiologista Frederick Hagerman mediu e estudou o perfil fisiológico dos
remadores dos EUA. Quanto isto ajuda nos treinos da seleção?
Eis um exemplo:
Tive um
remador com um VO2 absoluto de 7,2 litros e 5min58s no remoergômetro com 12
mmol de lactato. E outro com 5,9 litros, 5min56s e 22 mmol de lactato. Então
concluo que aquele com grande capacidade aeróbica não tem resistência à dor. Já
o outro, com um VO2 menor, inundado de lactato e sofrimento, é o homem que eu
quero.
Prefiro um atleta com motor inferior, mas que lute até cair.
Realizamos dois testes
anuais de VO2 máximo, mais três ou quatro sub-máximos para verificar se estamos
com risco de supertreinamento.
Isto significa que os seus
treinos não utilizam faixas específicas de trabalho baseadas em lactato e
frequência cardíaca, mas apóiam-se mais no conhecimento da guarnição e na
intuição?
Certo. Em qualquer desporto há aqueles atletas com perfil fisiológico espetacular e outros fisiologicamente
inferiores, mas que também atuam muito bem. Nem é preciso conhecer bem um desporto para notar quem são os mais focados, com atitude de campeão.
Na maioria das vezes, chegam 60 rapazes juntos, digamos, no dia 5 de junho e eu tenho três semanas
para decidir quem fica e quem vai. Se for recorrer aos números para
decidir, não sobra tempo para outras coisas.
Claro, se eu pudesse ter um grupo por dois anos, faria vários testes para otimizá-lo, iria aos detalhes.
Em resumo, fazemos o que
trabalha melhor no nosso caso.
Quando treinei a
Universidade de Princeton, fiquei encantado com aquele lago todo para nós, as
belas instalações... Estava cheio de ideias, mas tive de abdicar delas, abrir
mão de muita coisa que acho ideal para adaptar-me ao sistema da universidade.
Aprendi bastante com aquilo.
Outro dia falei com os
ingleses e eles comentaram que muitos dos atletas do seu oito campeão também
trabalham e continuaram a remar.
Então respondi: 'Com vocês
é assim. Aqui é diferente'. A vida nos EUA é toda estruturada e planeada. O
jovem faz quatro anos de faculdade, decide remar mais dois ou três anos para
um mundial e, perdendo ou ganhando, sabe que irá parar a fim de dedicar-se a
uma carreira ou retomar a vida acadêmica.
Não posso afirmar se concordo ou
discordo disto, mas é um fato que não tenho como mudar. E este é o lado ruim do
Centro Olímpico de Chula Vista. Pensaram que iriam colocar o remo no clima
quente do sul da Califórnia, onde não há neve ou gelo, e todos correriam para
treinar lá.
Ocorreu o contrário: o grupo preferia não remar na seleção a mudar
para lá e não ter onde trabalhar. Por isto, quando assumi a equipe masculina, fiquei isolado lá, sem atletas. Então decidi vir para onde eles
preferem ficar.
O coração do remo dos EUA
está entre Boston e Washington, D.C., onde moram 90% dos remadores. Então é
mais fácil trazer os 10% restantes para cá do que mudar os 90% para Chula
Vista.
Isto significa que a
flexibilidade é uma das principais regras do jogo.
Obviamente. Há técnicos aqui
que pensam assim: 'Se vamos competir na Austrália, precisamos estar adaptados
ao horário de lá. Vamos passar a treinar às 4 h da manhã e ao meio-dia'.
E se houver uma ventania e a regata for adiada para a tarde?
Só posso controlar o que os
meus atletas fazem por 90 min pela manhã e outros 60-75 min à tarde.
No resto
do tempo, a vida é deles. Trato de ficar fora dela. Nada de imposições. Eles
têm consciência de que precisam comer bem, descansar e manter a saúde.
Há até o caso de remadores
que só treinam conosco três dias na semana. O resto do tempo treinam sós. Há os
que moram em outras cidades e só aparecem nos fins de semana. Se não for
flexível, não tenho atletas.
Então, a sua receita básica
é selecionar os atletas certos e ser flexível?
Correto. São dois elementos indispensáveis na equação do sucesso.
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