Aposta, naufrágios, Dr. House e outras histórias da regata
Nove episódios resumem a história de uma regata nascida de uma aposta entre dois amigos e que só no ano passado se rendeu por completo à igualdade de género.
Fica
resolvida em menos de 20 minutos (em condições normais) mas tem por trás
187 anos de histórias.
É a regata entre as universidades inglesas de
Oxford e de Cambridge, provavelmente a prova de remo mais famosa do
mundo. The Boat Race reeditou-se este fim de semana passado, em Londres.
Uma simples
regata, ao longo de 6,8 quilómetros pelo rio Tamisa, entre Putney e
Mortlake (Londres) é o palco do confronto entre as equipas das duas
universidades mais conhecidas do Reino Unido.
O passar dos anos (realizou-se a 162.ª edição da prova masculina e a 71.ª feminina) e a
aclamação popular (dos milhares que assistem a tudo nas margens do rio e
dos milhões que seguem pela televisão) ajudaram a engrandecer a lenda
da competição.
Em cada embarcação, oito remadores e um timoneiro (cox)
tentam continuar essa história. Por cada um deles, aqui se recorda um
momento lendário.
1829. Uma aposta na origem
De
uma aposta entre amigos nasceu a mais emblemática prova de remo a nível
mundial. Em março de 1829, Charles Merivale, estudante da Universidade
de Cambridge, desafiou o amigo Charles Wordsworth, aluno da Universidade
de Oxford, para um duelo de remo, entre as equipas de ambos, no rio
Tamisa. Wordsworth aceitou e o confronto ficou marcado para 10 de junho
desse ano. Oxford ganhou. E, entre avanços e recuos, a prova tornou-se
um evento anual - realizado no início da primavera - a partir de 1856.
Deste então, só não se realizou, a título oficial, nos anos da I e da II
Guerras Mundiais (e mesmo aí foram promovidas regatas alternativas a
nível oficioso).
1877. Um empate polémico
Os
números são soberanos: 161 edições da regata masculina dividem-se entre
79 vitórias da Universidade de Oxford, 81 da de Cambridge... e um
polémico empate, em 1877. Então, sem que existisse uma meta bem
delineada como atualmente, o juiz da regata, John Phelps, não declarou o
vencedor (dead heat), garantindo que ambas as embarcações tinham
terminado ao mesmo tempo. A lenda - posta a circular pela equipa de
Oxford, que se sentiu prejudicada - diz que Phelps, embriagado, teria
adormecido atrás de um arbusto e perdido o final, optando então por um
salomónico empate.
Em 2003, os dois barcos também chegaram quase em
simultâneo, mas não houve dúvidas: o sistema de photo finish, usado pela
primeira vez, decretou o triunfo de Oxford.
1912. Um duplo naufrágio
Apesar
da curta distância da regata - o percurso mantém-se desde finais do
século XIX - nem sempre as duas embarcações conseguiram chegar ao fim.
Todavia, a edição de 1912 foi única, pelos piores motivos: debaixo de
péssimas condições climatéricas, ambos naufragaram e a corrida teve de
ser repetida no dia seguinte - com o triunfo de Oxford.
No total, The
Boat Race já assistiu a seis naufrágios - o último foi de Cambridge, em
1978.
1924-36. Uma longa hegemonia
Hegemonia
não rima necessariamente com monotonia. A Universidade de Cambridge
lidera o contador de vitórias deste confronto especial, desde que
conseguiu 13 triunfos consecutivos entre 1924 e 1936 (a mais longa de
sucessos ininterruptos). No entanto, num trajeto tão curto, o triunfo é
discutido quase sempre até ao fim.
Os light blues detêm o recorde do
percurso - 16.19 minutos, em 1998 - mas têm estado afastados do pódio:
só venceram duas das últimas oito edições.
1938. Um fenómeno de massas
Originalmente,
uma simples brincadeira entre rapazes adeptos de remo, The Boat Race
acabou por se tornar um fenómeno de massas no Reino Unido. Desde a
segunda década do século XX que a regata passou a ser acompanhada por
multidões nas margens do rio Tamisa e transmitida por rádio pela BBC. No
entanto, o início das transmissões televisivas transformou-se num
fenómeno nacional, seguido por milhões de pessoas (6,2 no ano passado).
É
um caso raro, senão único, entre eventos de desporto amador.
1980. Quando Dr. House participou
Muitos
nomes famosos do desporto passaram pela regata Oxford vs. Cambridge.
Das artes e espetáculos, só um: Hugh Laurie, o ator mais conhecido como
Dr. House (à conta da série televisiva homónima que protagonizou).
Seguindo o exemplo do pai, antigo campeão olímpico de remo (1948) e três
vezes vencedor da regata na década de 30, Hugh Laurie representou a
seleção britânica de remo a nível júnior e competiu (e perdeu) por
Cambridge em 1980.
A corrida ficou marcada pelo quase desfalecimento de
Steve Francis na embarcação de Oxford (que não tinha um médico a
bordo...).
1987. Uma rebelião americana
A
controvérsia que envolveu a edição de 1987 da regata dava um filme (e
deu mesmo, chama-se True Blue). Os cinco estado-unidenses da equipa de
Oxford - Chris Clark, Dan Lyons, Chris Huntington, Chris Penney e
Jonathan Fish - recusaram-se a entrar em prova, em protesto com as
decisões do treinador Dan Topolski, que queria excluir um deles da
equipa.
E, minados pela rebelião americana, os dark blues pareciam
destinados a uma humilhação histórica. No entanto, contra todas as
expectativas, ganharam a corrida, com uma equipa de reservas.
2012. Uma invasão das águas
Algo
completamente diferente agitou - e levou à interrupção - a regata de há
quatro anos. O australiano Trenton Oldfield lançou--se às águas do
Tamisa e pôs-se a nadar entre as duas embarcações, para "protestar
contra a cultura elitista" da sociedade britânica. Depois de Oldfield
ser retirado à força das águas, a prova foi reatada, com a vitória de
Oxford.
E o australiano acabou condenado a seis meses de prisão, por
perturbação da ordem pública.
2015. Por fim, igualdade de género
No
ano passado, a mais emblemática prova de remo deu um grande passo no
caminho da igualdade de género. Pela primeira vez, a regata feminina -
que ocorre desde 1927 - realizou--se no mesmo dia e no mesmo percurso da
prova masculina.
E Oxford fez a festa a dobrar (os dark blues já tinham
sobressaído em 1981, quando tiveram uma mulher, Sue Brown, como
timoneira).
No fim de semana, a corrida das mulheres (15.10) voltou a anteceder a dos homens (16.10), sendo a regata vencida por Oxford.
No dia anterior, houve também a regata dos veteranos, num percurso mais curto que a prova tradicional, e coube a vitória aos de Cambridge.
No fim de semana, a corrida das mulheres (15.10) voltou a anteceder a dos homens (16.10), sendo a regata vencida por Oxford.
No dia anterior, houve também a regata dos veteranos, num percurso mais curto que a prova tradicional, e coube a vitória aos de Cambridge.
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