terça-feira, 18 de novembro de 2014

Carlos Júlio Seixo - pequena homenagem depois de 32 anos

Um grande atleta do mundo do Remo desapareceu tragicamente há 32 anos: Carlos Júlio Seixo
Numa fatídica manhã de 22 de Novembro de 1983, no Portinho de Moledo, o melhor atleta de remo daquela época, Carlos Júlio Fernandes do Seixo, com 29 anos, casado - sua esposa aguardava o primeiro filho que nunca viria a conhecer - "foi eliminado da vida, da competição, por uma bala criminosa", segundo escreveu na ocasião o cronista da sua terra.
Desavenças com um vizinho por causa de um pombal, descambaram na tragédia que comocionou Moledo, o concelho, a região e o desporto português.
Recordar essa figura ímpar de atleta, que na altura se preparava para participar em skiff nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, é constatar um percurso desportivo de eleição iniciado em 1970, como juvenil, no Clube Naval de Lisboa, com passagem nos anos seguintes pelo Ferroviário de Portugal, ingressando em 1973 no clube da sua terra, o Sporting Club Caminhense, que representou durante cinco anos, após o que se transferiu para o ARCO acabado de surgir, voltando ao Caminhense para fazer mais duas épocas, até terminar a sua gloriosa mas abruptamente interrompida carreira no ARCO de Viana do Castelo.
Este moledense era filho de um grande remador (Júlio Seixo) e irmão de outro igualmente praticante de eleição da modalidade, e também de nome Júlio, a par dos sobrinhos que prosseguiram com êxito a veia desportiva da família.
Suiça 1982
Foi campeão nacional por 31 vezes, em skiff (o seu barco por excelência), double-scull, Shell de 2, 4 e 8 c/ timoneiro, em provas de fundo e velocidade, a par das presenças e algumas excelentes prestações em regatas internacionais em Lucerna (Suiça) nos Campeonatos do Mundo, Gant (Bélgica), Vichy (França), Sevilha, conseguindo ainda vencer as regatas Luso-Galaicas em três tipos de barco.


Quem com ele privou no dia-a-dia desportivo, sabe melhor do que ninguém descrever o seu poderio físico e a valia técnica evidenciada na sua remada perfeita.
Fernando Estima, ex-presidente da Federação Portuguesa de Remo e técnico de Carlos Júlio, acedeu a escrever algumas linhas sobre este seu companheiro de caminhada na modalidade de excelência no concelho de Caminha:
"Recordar Carlos Júlio"

"Durante a minha longa carreira desportiva tive oportunidade de conhecer pessoas com qualidades humanas excecionais, e atletas que foram um exemplo para todas as gerações que se lhe seguiram.
O Carlos Seixo foi um deles.
Na vida foi um lutador, mesmo nas condições mais adversas, e o seu comprometimento com tudo em que se metia faz dele uma referência para todos nós, principalmente nos tempos difíceis que vivemos.
Tendo sido um remador de eleição, gostaria de partilhar com todos os que me estão a ler, algumas situações desportivas que nós vivemos em conjunto, direcionando-as especialmente para os mais jovens.
Para realçar o seu espírito de sacrifício, recordo que chegou a ter o seu skiff armazenado numa garagem em Seixas e, para treinar na água, tinha de percorrer cerca de 100 metros com o skiff na cabeça e os remos na mão, fazendo o mesmo percurso quando regressava do treino, que muitas vezes durava mais de duas horas com 12 a 15 kms percorridos. E, aos Sábados, muitas vezes fazia isto de manhã e de tarde.

Outra faceta da sua personalidade era o seu companheirismo. Nos anos de 1978 e 1979, nos trabalhos de preparação da época desportiva, e que foram o embrião das futuras seleções de remo que se vieram a constituir nas décadas seguintes, o Carlos Seixo fez dupla com o Carlos Oliveira (o famoso Bóia), lendário remador da CUF do Barreiro, uns anos mais velho que ele e que (e isto é um pormenor técnico dos remadores que remam com dois remos) no skiff e no double-scull, cruzava os remos com a mão direita por cima. O Carlos Seixo, numa atitude de humildade e de um elevado espirito de equipa, e apesar de cruzar os remos exatamente ao contrário, isto é, com a esquerda por cima, e ter automatizado este gesto durante anos, aprendeu durante o período de Inverno a cruzar os remos como o Bóia. Passados uns meses, nos Campeonatos Internacionais de França em Vichy, a segunda regata, na época, mais importante do calendário da Federação Internacional, logo a seguir a Lucerna, os dois tiveram em double-scul excelentes prestações.
Aceitava formar um quatro ou um oito com companheiros que não tivessem as suas qualidades físicas e técnicas, mas era intransigente com aqueles que não tivessem o mesmo empenho e a mesma dedicação ao treino que ele.
Carlos Seixo é um remador do passado, que todos os que hoje praticam remo de competição devem ter como modelo se quiserem ter sucesso no futuro."
João Afonso: "O Seixo podia ter sido um grande treinador"
Um dos timoneiros mais carismáticos do Sporting Club Caminhense, João Afonso, recordou que se encontrava a trabalhar na EDP, nos Arcos de Valdevez, tendo sabido do infausto acontecimento pela sua mulher, quando lhe telefonara à noite.
Foi timoneiro do Shell/4+ em 1974, quando se sagraram campeões nacionais, a par de terem sido campeões ibéricos neste mesmo barco, título conquistado também em 1976, na Régua, em Shell/8.
João Afonso salientou que Carlos Júlio integrou a tripulação de Shell/4+ que venceu pela primeira vez um Nacional de Fundo organizado em Portugal.

Definindo-o como remador, "tecnicamente, era perfeito a remar, um homem valente, cheio de força, daqueles que nunca desistia", classificando como "uma grande perda para o remo nacional" o seu desaparecimento, quando muito ainda havia a esperar dele, a par de poder vir a ser "um grande treinador e poder estar aqui, hoje, a ajudar-nos, mas a vida é assim, infelizmente".
Jofre Pinto: "O Seixo era um grande amigo"
Jofre Pinto compartiu títulos e muitos milhares de quilómetros de água com Carlos Júlio, a partir do momento em que este deixou de remar no Ferroviário de Lisboa e se fixou em Moledo e veio remar para o Caminhense.
"Fizemos o double-scull, o 4, o 8 e outros barcos, e quando estivemos a preparar a participação em 2X nos Campeonatos do Mundo de Lucerna, treinávamos quatro horas por dia e tínhamos tempos para ir lá, até que fomos confrontados com uma alternativa apresentada pelo então presidente do clube, dr. Garrido. Ou íamos a Lucerna, ou comprávamos (club) dois barcos Spring em Itália. Optamos pelos barcos".
De entre as diversas provas em que participaram juntos, recordou uma regata disputada no Porto - "ainda com idade de júnior" -, e que era habitualmente ganha pelo CDUP. Entenderam que "isto não podia continuar", referindo-se ao barco de Shell2+. Assim, ambos fizerem este barco com dois dias de treinos, levando a timoneiro "o meu sobrinho Zé - e que viria mais tarde a ser um dos grandes remadores do SSCaminhense".
Contudo, com tão poucos treinos neste barco, havia o risco de virar e "eu", precisou Jofre Pinto, "não sabia nadar", mas "como tínhamos técnica suficiente, sabíamos que isso não aconteceria".
"Dada a largada", prosseguiu a sua narrativa o companheiro de Júlio Seixas, "o nosso timoneiro que ia à proa, deixou de ver a água e, em pânico, começou a tentar levantar-se, repetindo que não via a água, e, então, o Seixo, que ia à proa, virou-se para trás, deu-lhe dois estalos e disse-lhe para estar quieto porque nós é que sabemos".
No final, venceram por mais de 10 barcos, saltando logo de seguida para a prova de Shell/4 - "um pouco mais violenta, mas que nós ganhamos com muita facilidade". Esse Shell/4 c/ timoneiro era composto por Jofre Pinto a voga, o Carlos Júlio a sota-proa (três), a sota-voga o Manuel Silva (Galego) e a proa o Júlio Pires (Leiras).
Definindo Carlos Júlio, confessou-nos que era um bom companheiro, amigo - "que dava a camisa ao amigo quando necessitava dela". Em termos de desporto, "ele era completo em tudo, também devido à pancada que ele tinha, porque para ser skifista, fazer horas e horas de água sozinho, não é fácil", admitiu.
Jofre Pinto recordou o papel do treinador Fernando Estima naqueles tempos de mudança no remo, estando ele na tropa, em África, " "mandava-nos semanalmente o treino por aerograma (correio militar) que nós cumpríamos à risca". Numa altura em que o técnico se deslocou a Portugal de férias, houve uma regata em Seixas, pelo que "pretendemos brindá-lo, ganhando as regatas todas (2X, 4+ e 8+)".
No entanto, Jofre Pinto e Carlos Júlio, tiveram a seu lado uma tripulação do Náutico de Vigo de respeito, composta pelo Rafa e pelo Artur - "dois bons do remo galego".
"Quando chegamos ao fim, nem sabíamos de que lado era a Espanha ou Portugal. Foi muito renhido mas ganhámos porque fomos mais astutos do que eles, dado que conhecíamos o rio e encostámo-nos a um fio de água, junto aos barcos, conseguindo ganhar sensivelmente por um metro, fazendo um tempo de pouco mais de cinco minutos, um tempo de alta competição, impensável para a época".
"Eu tenho uma filosofia sobre o remo: Não cai do céu, nem se compra na farmácia: Quem treina ganha, quem não o faz, vê ganhar".

Retirado de : http://www.caminha2000.com/jornal/n660/desportoremo.html

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